Business

24 de julho de 2013

On quarta-feira, julho 24, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
Terceira parte... cont.

Para que o plano divino se realize sempre mais plenamente
31. A Igreja está sem dúvida consciente dos múltiplos e complexos problemas que hoje em muitos países envolvem os cônjuges no seu dever de transmitir responsavelmente a vida. Reconhece também o grave problema do incremento demográfico, como se apresenta nas diversas partes do mundo, e as relativas implicações morais.
A Igreja considera, todavia, que uma reflexão aprofundada de todos os aspectos de tais problemas ofereça uma nova e mais forte confirmação da importância da doutrina autêntica sobre a regulação da natalidade, reproposta no Concílio Vaticano II e na encíclica Humanae Vitae.
Por isto, juntamente com os Padres Sinodais, sinto o dever de dirigir um urgente convite aos teólogos a fim de que, unindo as suas forças para colaborar com o Magistério hierárquico, se empenhem em iluminar cada vez melhor os fundamentos bíblicos, as motivações éticas e as razões personalísticas desta doutrina. Será assim possível, no contexto de uma exposição orgânica, tornar a doutrina da Igreja sobre este tema fundamental verdadeiramente acessível a todos os homens de boa vontade, favorecendo uma compreensão cada dia mais luminosa e profunda: desta forma o plano divino poderá ser sempre mais plenamente cumprido para a salvação do homem e para a glória do Criador.
A tal respeito, o empenho concorde dos teólogos, inspirado pela adesão convencida ao Magistério, que é o único guia autêntico do Povo de Deus, apresenta particular urgência mesmo em razão da visão do homem que a Igreja propõe: dúvidas ou erros no campo matrimonial ou familiar implicam um grave obscurecer-se da verdade integral sobre o homem numa situação cultural já tão frequentemente confusa e contraditória O contributo de iluminação e de investigação, que os teólogos são chamados a oferecer no cumprimento da sua missão específica, tem um valor incomparável e representa um serviço singular, altamente meritório, à família e à humanidade.
Na visão integral do homem e da sua vocação
32.No contexto de uma cultura que deforma gravemente ou chega até a perder o verdadeiro significado da sexualidade humana, porque a desenraíza da sua referência essencial à pessoa, a Igreja sente como mais urgente e insubstituível a sua missão de apresentar a sexualidade como valor e tarefa de toda a pessoa criada, homem e mulher, à imagem de Deus.
Nesta perspectiva o Concílio Vaticano II afirmou claramente que «quando se trata de conciliar o amor conjugal com a transmissão responsável da vida, a moralidade do comportamento não depende apenas da sinceridade da intenção e da apreciação dos motivos; deve também determinar-se por critérios objectivos, tomados da natureza da pessoa e dos seus atos; critérios que respeitam, num contexto de autêntico amor, o sentido da mútua doação e da procriação humana. Tudo isto só é possível se se cultivar sinceramente a virtude da castidade conjugal»(86).
É exactamente partindo da «visão integral do homem e da sua vocação, não só natural e terrena, mas também sobrenatural e eterna»(87), que Paulo VI afirmou que a doutrina da Igreja «se funda na conexão inseparável, que Deus quis e que o homem não pode quebrar por sua iniciativa, entre os dois significados do ato conjugal: o significado unitivo e o significado procriativo»(88). E conclui reafirmando que é de excluir, como intrinsecamente desonesta, «toda a ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou na sua realização, ou no desenvolvimento das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar a procriação impossível»(89).
Quando os cônjuges, mediante o recurso à contracepção, separam estes dois significados que Deus Criador inscreveu no ser do homem e da mulher e no dinamismo da sua comunhão sexual, comportam-se como «árbitros» do plano divino e «manipulam» e aviltam a sexualidade humana, e com ela a própria pessoa e a do cônjuge, alterando desse modo o valor da doação «total». Assim, à linguagem nativa que exprime a recíproca doação total dos cônjuges, a contracepção impõe uma linguagem objectivamente contradictória, a do não doar-se ao outro: deriva daqui, não somente a recusa positiva de abertura à vida, mas também uma falsificação da verdade interior do amor conjugal, chamado a doar-se na totalidade pessoal.
Quando pelo contrário os cônjuges, mediante o recurso a períodos de infecundidade, respeitam a conexão indivisível dos significados unitivo e procriativo da sexualidade humana, comportam-se como «ministros» de plano de Deus e «usufruem» da sexualidade segundo o dinamismo originário da doação «total», se manipulações e alterações(90).

À luz da experiência mesma de tantos casais e dos dados das diversas ciências humanas, a reflexão teológica pode receber e é chamada a aprofundar a diferença antropológica e ao mesmo tempo moral, que existe entre a contracepção e o recurso aos ritmos temporais: trata-se de uma diferença bastante mais vasta e profunda de quanto habitualmente se possa pensar e que, em última análise, envolve duas concepções da pessoa e da sexualidade humana irredutíveis entre si. A escolha dos ritmos naturais, de fato, comporta a aceitação do ritmo biológico da mulher, e com isto também a aceitação do diálogo, do respeito recíproco, da responsabilidade comum, do domínio de si. Acolher, depois, o tempo e o diálogo significa reconhecer o carácter conjuntamente espiritual e corpóreo da comunhão conjugal, como também viver o amor pessoal na sua exigência de fidelidade. Neste contexto o casal faz a experiência da comunhão conjugal enriquecida daqueles valores de ternura e afectividade, que constituem o segredo profundo da sexualidade humana, mesmo na sua dimensão física. Desta maneira a sexualidade é respeitada e promovida na sua dimensão verdadeira e plenamente humana, não sendo nunca «usada» como um «objecto» que, dissolvendo a unidade pessoal da alma e do corpo, fere a própria criação de Deus na relação mais íntima entre a natureza e a pessoa. 

19 de julho de 2013

On sexta-feira, julho 19, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
Parte III - segunda parte...

II - O SERVIÇO À VIDA
1) A transmissão da vida
Cooperadores do amor de Deus Criador
28.Com a criação do homem e da mulher à sua imagem e semelhança, Deus coroa e leva à perfeição a obra das suas mãos: Ele chama-os a uma participação especial do seu amor e do seu poder de Criador e de Pai, mediante uma cooperação livre e responsável deles na transmissão do dom da vida humana: «Deus abençoou-os e disse-lhes: "crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra"»(80).
Assim a tarefa fundamental da família é o serviço à vida. É realizar, através da história, a bênção originária do Criador, transmitindo a imagem divina pela geração de homem a homem(81).
A fecundidade é o fruto e o sinal do amor conjugal, o testemunho vivo da plena doação recíproca dos esposos: «O autêntico culto do amor conjugal e toda a vida familiar que dele nasce, sem pôr de lado os outros fins do matrimônio, tendem a que os esposos, com fortaleza de animo, estejam dispostos a colaborar com o amor do Criador e Salvador, que por meio deles aumenta cada dia mais e enriquece a família»(82).
A fecundidade do amor conjugal não se restringe somente à procriação dos filhos, mesmo que entendida na dimensão especificamente humana: alarga-se e enriquece-se com todos aqueles frutos da vida moral, espiritual e sobrenatural que o pai e a mãe são chamados a doar aos filhos e, através dos filhos, à Igreja e ao mundo.  
A doutrina e a norma sempre antigas e sempre novas da Igreja
29.  Exactamente porque o amor dos cônjuges é uma participação singular no mistério da vida e no amor do próprio Deus, a Igreja tem consciência de ter recebido a missão especial de guardar e de proteger a altíssima dignidade do matrimônio e a gravíssima responsabilidade da transmissão da vida humana.
Desta maneira, na continuidade com a tradição viva da comunidade eclesial através da história, o Concílio Vaticano II e o magistério do meu Predecessor Paulo VI, expresso sobretudo na encíclica Humanae Vitae, transmitiram aos nossos tempos um anúncio verdadeiramente profético, que reafirma e repõe, com clareza, a doutrina e a norma sempre antigas e sempre novas da Igreja sobre o matrimônio e sobre a transmissão da vida humana.
Por isso, os Padres Sinodais declaram textualmente na última Assembléia: «Este Sacro Sínodo reunido em união de fé com o Sucessor de Pedro, sustenta firmemente o que foi proposto pelo Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, 50 e, depois, pela encíclica Humanae Vitae, e em particular que o amor conjugal deve ser plenamente humano, exclusivo e aberto a nova vida (Humanae Vitae, 11 e cfr. 9 e 12)»(83).
A Igreja está do lado da vida
30.A doutrina da Igreja coloca-se hoje numa situação social e cultural que a torna mais difícil de ser compreendida e ao mesmo tempo mais urgente e insubstituível para promover o verdadeiro bem do homem e da mulher.
De fato o progresso científico-técnico que o homem contemporâneo amplia continuamente no domínio sobre a natureza, não só desenvolve a esperança de criar uma humanidade nova e melhor, mas gera também uma sempre mais profunda angústia sobre o futuro. Alguns perguntam-se se viver é bom ou se não teria sido melhor nem sequer ter nascido. Duvidam, portanto, da liceidade de chamar outros à vida, que talvez amaldiçoarão a sua existência num mundo cruel, cujos terrores nem sequer são previsíveis. Outros pensam que são os únicos destinatários das vantagens da técnica e excluem os demais, impondo-lhes meios contraceptivos ou técnicas ainda piores. Outros ainda, manietados como estão pela mentalidade consumística e com a única preocupação de um aumento contínuo dos bens materiais, acabam por não chegar a compreender e portanto por rejeitar a riqueza espiritual de uma nova vida humana. A razão última destas mentalidades é a ausência de Deus do coração dos homens, cujo amor só por si é mais forte do que todos os possíveis medos do mundo e tem o poder de os vencer.
Nasceu assim uma mentalidade contra a vida (anti-life mentality), como emerge de muitas questões actuais: pense-se, por exemplo, num certo pânico derivado dos estudos dos ecólogos e dos futurólogos sobre a demografia, que exageram, às vezes, o perigo do incremento demográfico para a qualidade da vida.
Mas a Igreja crê firmemente que a vida humana, mesmo se débil e com sofrimento, é sempre um esplêndido dom do Deus da bondade. Contra o pessimismo e o egoísmo que obscurecem o mundo, a Igreja está do lado da vida: e em cada vida humana sabe descobrir o esplendor daquele «Sim», daquele «Amém» que é o próprio Cristo (84). Ao «não» que invade e aflige o mundo, contrapõe este «Sim» vivente, defendendo deste modo o homem e o mundo de quantos insidiam e mortificam a vida.
A Igreja é chamada a manifestar novamente a todos, com uma firme e mais clara convicção, a vontade de promover, com todos os meios e de defender contra todas as insídias a vida humana, em qualquer condição e estado de desenvolvimento em que se encontre.

Por tudo isto a Igreja condena como ofensa grave à dignidade humana e à justiça todas aquelas actividades dos governos ou de outras autoridades públicas, que tentam limitar por qualquer modo a liberdade dos cônjuges na decisão sobre os filhos. Consequentemente qualquer violência exercitada por tais autoridades em favor da contracepção e até da esterilização e do aborto procurado, é absolutamente de condenar e de rejeitar com firmeza. Do mesmo modo é de reprovar como gravemente injusto o fato de nas relações internacionais, a ajuda económica concedida para a promoção dos povos ser condicionada a programas de contracepção, esterilização e aborto procurado85. 

18 de julho de 2013

On quinta-feira, julho 18, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA FAMILIARIS CONSORTIO
Terceira parte... cont...

Os direitos da criança
26.Na família, comunidade de pessoas, deve reservar-se uma especialíssima atenção à criança, desenvolvendo uma estima profunda pela sua dignidade pessoal como também um grande respeito e um generoso serviço pelos seus direitos. Isto vale para cada criança, mas adquire uma urgência singular quanto mais pequena e desprovida, doente, sofredora ou diminuída for a criança.
Solicitando e vivendo um cuidado terno e forte por cada criança que vem a este mundo, a Igreja cumpre uma sua missão fundamental: revelar e repetir na história o exemplo e o mandamento de Cristo, que quis pôr a criança em destaque no Reino de Deus: «Deixai vir a Mim os pequeninos e não os impeçais pois deles é o reino de Deus»(75).
Repito novamente o que disse na Assembléia geral das Nações Unidas em 2 de Outubro de 1979: «Desejo ... exprimir a felicidade que para cada um de nós constituem as crianças, primavera da vida, antecipação da história futura de cada pátria terrestre. Nenhum país do mundo, nenhum sistema político pode pensar no seu futuro senão através da imagem destas novas gerações que assumirão dos pais o múltiplo património dos valores, dos deveres e das aspirações da nação à qual pertencem, e o de toda a família humana. A solicitude pela criança ainda antes do nascimento, desde o primeiro momento da concepção e, depois, nos anos da infância e da adolescência, é a primária e fundamental prova da relação do homem com o homem. E, portanto, que mais se poderá augurar a cada nação e a toda a humanidade, a todas as crianças do mundo senão aquele futuro melhor no qual o respeito dos direitos do homem se torne plena realidade no aproximar-se do ano dois mil?»(76).
O acolhimento, o amor, a estima, o serviço multíplice e unitário - material, afectivo, educativo, espiritual - a cada criança que vem a este mundo deverão constituir sempre uma nota distintiva irrenunciável dos cristãos, em particular das famílias cristãs. Deste modo as crianças, ao poderem crescer «em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens»(77), darão o seu precioso contributo à edificação da comunidade familiar e à santificação dos pais(78).
Os anciãos na família
27.Há culturas que manifestam uma veneração singular e um grande amor pelo ancião: longe de ser excluído da família ou de ser suportado como um peso inútil, o ancião continua inserido na vida familiar, tomando nela parte activa e responsável - embora devendo respeitar a autonomia da nova família - e sobretudo desenvolvendo a missão preciosa de testemunha do passado e de inspirador de sabedoria para os jovens e para o futuro.
Outras culturas, pelo contrário, especialmente depois de um desenvolvimento industrial e urbanístico desordenado, forçaram e continuam a forçar os anciãos a situações inaceitáveis de marginalização que são fonte de atrozes sofrimentos para eles mesmos e de empobrecimento espiritual para muitas famílias.
É necessário que a ação pastoral da Igreja estimule todos a descobrir e a valorizar as tarefas dos anciãos na comunidade civil e eclesial, e, em particular, na família. Na realidade, «a vida dos anciãos ajuda-nos a esclarecer a escala dos valores humanos; mostra a continuidade das gerações e demonstra maravilhosamente a interdependência do povo de Deus. Os anciãos têm além disso o carisma de encher os espaços vazios entre gerações, antes que se sublevem. Quantas crianças têm encontrado compreensão e amor nos olhos, nas palavras e nos carinhos dos anciãos! E quantas pessoas de idade têm subscrito com gosto as inspiradas palavras bíblicas que a "coroa dos anciãos são os filhos dos filhos" (Prov. 17, 6)»(79).

17 de julho de 2013

On quarta-feira, julho 17, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
TERCEIRA PARTE... cont...


Uma comunhão indissolúvel
20.A comunhão conjugal caracteriza-se não só pela unidade mas também pela sua indissolubilidade: «Esta união íntima, já que é dom recíproco de duas pessoas, exige, do mesmo modo que o bem dos filhos, a inteira fidelidade dos cônjuges e a indissolubilidade da sua união»(49).
É dever fundamental da Igreja reafirmar vigorosamente - como fizeram os Padres do Sínodo - a doutrina da indissolubilidade do matrimônio: a quantos, nos nossos dias, consideram difícil ou mesmo impossível ligar-se a uma pessoa por toda a vida e a quantos, subvertidos por uma cultura que rejeita a indissolubilidade matrimonial e que ridiculariza abertamente o empenho de fidelidade dos esposos, é necessário reafirmar o alegre anúncio da forma definitiva daquele amor conjugal, que tem em Jesus Cristo o fundamento e o vigor(50).
Radicada na doação pessoal e total dos cônjuges e exigida pelo bem dos filhos, a indissolubilidade do matrimônio encontra a sua verdade última no desígnio que Deus manifestou na Revelação: Ele quer e concede a indissolubilidade matrimonial como fruto, sinal e exigência do amor absolutamente fiel que Deus Pai manifesta pelo homem e que Cristo vive para com a Igreja.
Cristo renova o desígnio primitivo que o Criador inscreveu no coração do homem e da mulher, e, na celebração do sacramento do matrimônio, oferece um «coração novo»: assim os cônjuges podem não só superar a «dureza do coração»(51), mas também e sobretudo compartir o amor pleno e definitivo de Cristo, nova e eterna Aliança feita carne. Assim como o Senhor Jesus é a «testemunha fiel»(52), é o «sim» das promessas de Deus(53) e, portanto, a realização suprema da fidelidade incondicional com que Deus ama o seu povo, da mesma forma os cônjuges cristãos são chamados a uma participação real na indissolubilidade irrevogável, que liga Cristo à Igreja, sua esposa, por Ele amada até ao fim(54).
O dom do sacramento é, ao mesmo tempo, vocação e dever dos esposos cristãos, para que permaneçam fiéis um ao outro para sempre, para além de todas as provas e dificuldades, em generosa obediência à santa vontade do Senhor: «O que Deus uniu, não o separe o homem»(55).
Testemunhar o valor inestimável da indissolubilidade e da fidelidade matrimonial é uma das tarefas mais preciosas e mais urgentes dos casais cristãos do nosso tempo. Por isso, juntamente com todos os Irmãos que participaram no Sínodo dos Bispos, louvo e encorajo os numerosos casais que, embora encontrando não pequenas dificuldades, conservam e desenvolvem o dom da indissolubilidade: cumprem desta maneira, de um modo humilde e corajoso, o dever que lhes foi confiado de ser no mundo um «sinal» - pequeno e precioso sinal, submetido também às vezes à tentação, mas sempre renovado - da fidelidade infatigável com que Deus e Jesus Cristo amam todos os homens e cada homem. Mas é também imperioso reconhecer o valor do testemunho daqueles cônjuges que, embora tendo sido abandonados pelo consorte, com a força da fé e da esperança cristãs, não contraíram uma nova união. Estes cônjuges dão também um autêntico testemunho de fidelidade, de que tanto necessita o mundo de hoje. Por isto mesmo devem ser encorajados e ajudados pelos pastores e pelos fiéis da Igreja.
A comunhão mais ampla da família
21.A comunhão conjugal constitui o fundamento sobre o qual se continua a edificar a mais ampla comunhão da família: dos pais e dos filhos, dos irmãos e das irmãs entre si, dos parentes e de outros familiares.
Tal comunhão radica-se nos laços naturais da carne e do sangue, e desenvolve-se encontrando o seu aperfeiçoamento propriamente humano na instauração e maturação dos laços ainda mais profundos e ricos do espírito: o amor, que anima as relações interpessoais dos diversos membros da família, constitui a força interior que plasma e vivifica a comunhão e a comunidade familiar.
A família cristã é, portanto, chamada a fazer a experiência de uma comunhão nova e original, que confirma e aperfeiçoa a comunhão natural e humana. Na realidade, a graça de Jesus Cristo, «o Primogénito entre muitos irmãos»(56), é por sua natureza e dinamismo interior uma «graça de fraternidade» como a chama Santo Tomás de Aquino(57). O Espírito Santo, que se infunde na celebração dos sacramentos, é a raiz viva e o alimento inexaurível da comunhão sobrenatural que estreita e vincula os crentes com Cristo, na unidade da Igreja de Deus. Uma revelação e actuação específica da comunhão eclesial é constituída pela família cristã que também, por isto, se pode e deve chamar «Igreja doméstica»(58).
Todos os membros da família, cada um segundo o dom que lhe é peculiar, possuem a graça e a responsabilidade de construir, dia após dia, a comunhão de pessoas, fazendo da família uma «escola de humanismo mais completo e mais rico»(59): é o que vemos surgir com o cuidado e o amor para com os mais pequenos, os doentes e os anciãos; com o serviço recíproco de todos os dias; com a co-participação nos bens, nas alegrias e nos sofrimentos.
Um momento fundamental para construir uma comunhão semelhante é constituído pelo intercambio educativo entre pais e filhos(60), no qual cada um deles dá e recebe. Mediante o amor, o respeito, a obediência aos pais, os filhos dão o seu contributo específico e insubstituível para a edificação de uma família autenticamente humana e cristã(61). Isso ser-lhe-á facilitado, se os pais exercerem a sua autoridade irrenunciável como um «ministério» verdadeiro e pessoal, ou seja, como um serviço ordenado ao bem humano e cristão dos filhos, ordenado particularmente a proporcionar-lhes uma liberdade verdadeiramente responsável; e se os pais mantiverem viva a consciência do «dom» que recebem continuamente dos filhos.
A comunhão familiar só pode ser conservada e aperfeiçoada com grande espírito de sacrifício. Exige, de fato, de todos e de cada um, pronta e generosa disponibilidade à compreensão, à tolerância, ao perdão, à reconciliação. Nenhuma família ignora como o egoísmo, o desacordo, as tensões, os conflitos agridem, de forma violenta e às vezes mortal, a comunhão: daqui as múltiplas e variadas formas de divisão da vida familiar. Mas, ao mesmo tempo, cada família é sempre chamada pelo Deus da paz a fazer a experiência alegre e renovadora da «reconciliação», ou seja, da comunhão restabelecida, da unidade reencontrada Em particular a participação no sacramento da reconciliação e no banquete do único Corpo de Cristo oferece à família cristã a graça e a responsabilidade de superar todas as divisões e de caminhar para a plena verdade querida por Deus, respondendo assim ao vivíssimo desejo do Senhor: que «todos sejam um»(62).
Direitos e função da mulher
22.  Enquanto é, e deve tornar-se, comunhão e comunidade de pessoas, a família encontra no amor a fonte e o estímulo incessante para acolher, respeitar e promover cada um dos seus membros na altíssima dignidade de pessoas, isto é, de imagens vivas de Deus. Como justamente afirmaram os Padres Sinodais, o critério moral da autenticidade das relações conjugais e familiares consiste na promoção da dignidade e vocação de cada uma das pessoas que encontram a sua plenitude mediante o dom sincero de si mesmas(63).
Nesta perspectiva, o Sínodo quis prestar atenção privilegiada à mulher, aos seus direitos e função na família e na sociedade. Nesta mesma perspectiva devem considerar-se também o homem como esposo e pai, a criança e os anciãos.
É de ressaltar-se antes de tudo a igual dignidade e responsabilidade da mulher em relação ao homem: tal igualdade encontra uma forma singular de realização na doação recíproca de si ao outro e de ambos aos filhos, doação que é específica do matrimônio e da família. Tudo o que a razão intui e reconhece, vem revelado plenamente pela Palavra de Deus: a história da salvação é, de fato, um contínuo e claro testemunho da dignidade da mulher.
Ao criar o homem «varão e mulher»(64), Deus dá a dignidade pessoal de igual modo ao homem e à mulher, enriquecendo-os dos direitos inalienáveis e das responsabilidades que são próprias da pessoa humana. Deus manifesta ainda na forma mais elevada possível a dignidade da mulher, ao assumir Ele mesmo a carne humana da Virgem Maria, que a Igreja honra como Mãe de Deus, chamando-a nova Eva e propondo-a como modelo da mulher redimida. O delicado respeito de Jesus para com as mulheres a quem chamou ao seu séquito e amizade, a aparição na manhã da Páscoa a uma mulher antes que aos discípulos, a missão confiada às mulheres de levar a boa nova da Ressurreição aos apóstolos, são tudo sinais que confirmam a especial estima de Jesus para com a mulher. Dirá o Apóstolo Paulo: «Porque todos vós sois filhos de Deus, mediante a fé em Jesus Cristo ... Não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus»(65).
A mulher e a sociedade
23.  Sem entrar agora a tratar nos seus vários aspectos o amplo e complexo tema das relações mulher-sociedade, mas limitando estas considerações a alguns pontos essenciais, não se pode deixar de observar como, no campo mais especificamente familiar, uma ampla e difundida tradição social e cultural tenha pretendido confiar à mulher só a tarefa de esposa e mãe, sem a estender adequadamente às funções públicas, em geral, reservadas ao homem.
Não há dúvida que a igual dignidade e responsabilidade do homem e da mulher justificam plenamente o acesso da mulher às tarefas públicas. Por outro lado, a verdadeira promoção da mulher exige também que seja claramente reconhecido o valor da sua função materna e familiar em confronto com todas as outras tarefas públicas e com todas as outras profissões. De resto, tais tarefas e profissões devem integrar-se entre si se se quer que a evolução social e cultural seja verdadeira e plenamente humana.
Isto conseguir-se-á mais facilmente se, como o desejou o Sínodo, uma renovada «teologia do trabalho» esclarecer e aprofundar o significado do trabalho na vida cristã e determinar o laço fundamental que existe entre o trabalho e a família, e, portanto, o significado original e insubstituível do trabalho da casa e da educação dos filhos(66). Portanto a Igreja pode e deve ajudar a sociedade actual pedindo insistentemente que seja reconhecido por todos e honrado no seu insubstituível valor o trabalho da mulher em casa. Isto é de importância particular na obra educativa: de fato, elimina-se a própria raiz da possível discriminação entre os diversos trabalhos e profissões, logo que se veja claramente como todos, em cada campo, se empenham com idêntico direito e com idêntica responsabilidade. Deste modo aparecerá mais esplendente a imagem de Deus no homem e na mulher.
Se há que reconhecer às mulheres, como aos homens, o direito de ascender às diversas tarefas públicas, a sociedade deve estruturar-se, contudo, de maneira tal que as esposas e as mães não sejam de fato constrangidas a trabalhar fora de casa e que a família possa dignamente viver e prosperar, mesmo quando elas se dedicam totalmente ao lar próprio.
Deve além disso superar-se a mentalidade segundo a qual a honra da mulher deriva mais do trabalho externo do que da actividade familiar. Mas isto exige que se estime e se ame verdadeiramente a mulher com todo o respeito pela sua dignidade pessoal, e que a sociedade crie e desenvolva as devidas condições para o trabalho doméstico.
A Igreja, com o devido respeito pela vocação diversa do homem e da mulher, deve promover, na medida do possível, também na sua vida, a igualdade deles quanto a direitos e dignidades, e isto para o bem de todos: da família, da Igreja e da sociedade.
É evidente, porém, que isto não significa para a mulher a renúncia à sua feminilidade nem a imitação do carácter masculino, mas a plenitude da verdadeira humanidade feminil, tal como se deve exprimir no seu agir, quer na família quer fora dela, sem contudo esquecer, neste campo, a variedade dos costumes e das culturas.
Ofensas à dignidade da mulher
24.  Infelizmente a mensagem cristã acerca da dignidade da mulher vem sendo impugnada por aquela persistente mentalidade que considera o ser humano não como pessoa, mas como coisa, como objecto de compra-venda, ao serviço de um interesse egoístico e exclusivo do prazer: e a primeira vítima de tal mentalidade é a mulher.
Esta mentalidade produz frutos bastante amargos, como o desprezo do homem e da mulher, a escravidão, a opressão dos fracos, a pornografia, a prostituição - sobretudo quando é organizada - e todas aquelas várias discriminações que se encontram no âmbito da educação, da profissão, da retribuição do trabalho, etc.
Além disso, ainda hoje, em grande parte da nossa sociedade, permanecem muitas formas de discriminação aviltante que ferem e ofendem gravemente algumas categorias particulares de mulheres, como, por exemplo, as esposas que não têm filhos, as viúvas, as separadas, as divorciadas, as mães-solteiras.
Estas e outras discriminações foram veementemente deploradas pelos Padres Sinodais. Solicito, pois, que se desenvolva uma ação pastoral específica mais vigorosa e incisiva, a fim de que sejam vencidas em definitivo, para se poder chegar à estima plena da imagem de Deus que esplandece em todos os seres humanos, sem nenhuma exclusão.
O homem esposo e pai
25.É dentro da comunhão-comunidade conjugal e familiar que o homem é chamado a viver o seu dom e dever de esposo e pai.
Na esposa ele vê o cumprimento do desígnio de Deus: «Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe um auxiliar semelhante a ele»(67) e faz sua a exclamação de Adão, o primeiro esposo: «Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne»(68).
O amor conjugal autêntico supõe e exige que o homem tenha um profundo respeito pela igual dignidade da mulher: «Não és o senhor - escreve Santo Ambrósio - mas o marido; não te foi dada como escrava, mas como mulher... Retribui-lhe as atenções tidas para contigo e sê-lhe agradecido pelo seu amor»(69). Com a esposa o homem deve viver «uma forma muito especial de amizade pessoal»(70). O cristão, é, além disso, chamado a desenvolver uma atitude de amor novo, manifestando para com a sua esposa a caridade delicada e forte que Cristo nutre pela Igreja(71).
O amor à esposa tornada mãe e o amor aos filhos são para o homem o caminho natural para a compreensão e realização da paternidade. De modo especial onde as condições sociais e culturais constringem facilmente o pai a um certo desinteresse em relação à família ou de qualquer forma a uma menor presença na obra educativa, é necessário ser-se solícito para que se recupere socialmente a convicção de que o lugar e a tarefa do pai na e pela família são de importância única e insubstituível(72). Como a experiência ensina, a ausência do pai provoca desequilíbrios psicológicos e morais e dificuldades notáveis nas relações familiares. O mesmo acontece também, em circunstâncias opostas, pela presença opressiva do pai, especialmente onde ainda se verifica o fenômeno do «machismo», ou seja da superioridade abusiva das prerrogativas masculinas que humilham a mulher e inibem o desenvolvimento de relações familiares sadias.

Revelando e revivendo na terra a mesma paternidade de Deus(73), o homem é chamado a garantir o desenvolvimento unitário de todos os membros da família. Cumprirá tal dever mediante uma generosa responsabilidade pela vida concebida sob o coração da mãe e por um empenho educativo mais solícito e condividido com a esposa(74), por um trabalho que nunca desagregue a família mas a promova na sua constituição e estabilidade, por um testemunho de vida cristã adulta, que introduza mais eficazmente os filhos na experiência viva de Cristo e da Igreja. 
On quarta-feira, julho 17, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
TERCEIRA PARTE
OS DEVERES DA FAMÍLIA CRISTÃ
Família, torna-te aquilo que és!
17.  No plano de Deus Criador e Redentor a família descobre não só a sua «identidade», o que «é», mas também a sua «missão», o que ela pode e deve «fazer». As tarefas, que a família é chamada por Deus a desenvolver na história, brotam do seu próprio ser e representam o seu desenvolvimento dinâmico e existencial. Cada família descobre e encontra em si mesma o apelo inextinguível, que ao mesmo tempo define a sua dignidade e a sua responsabilidade: família, «torna-te aquilo que és»!
Voltar ao «princípio» do gesto criativo de Deus é então uma necessidade para a família, se se quiser conhecer e realizar segundo a verdade interior não só do seu ser mas também do seu agir histórico. E porque, segundo o plano de Deus, é constituída qual «íntima comunidade de vida e de amor»(44), a família tem a missão de se tornar cada vez mais aquilo que é, ou seja, comunidade de vida e de amor, numa tensão que, como para cada realidade criada e redimida, encontrará a plenitude no Reino de Deus. E numa perspectiva que atinge as próprias raízes da realidade, deve dizer-se que a essência e os deveres da família são, em última análise, definidos pelo amor. Por isto é-lhe confiada a missão de guardar, revelar e comunicar o amor, qual reflexo vivo e participação real do amor de Deus pela humanidade e do amor de Cristo pela Igreja, sua esposa.
Cada dever particular da família é a expressão e a actuação concreta de tal missão fundamental. É necessário, portanto, penetrar mais profundamente na riqueza singular da missão da família e sondar os seus conteúdos numerosos e unitários.
Em tal sentido, partindo do amor e em permanente referência a ele, o recente Sínodo pôs em evidência quatro deveres gerais da família: 
1) a formação de uma comunidade de pessoas; 
2) o serviço à vida; 
3) a participação no desenvolvimento da sociedade; 
4) a participação na vida e na missão da Igreja.

I - A FORMAÇÃO DE UMA COMUNIDADE DE PESSOAS
O amor, princípio e força de comunhão
18.A família, fundada e vivificada pelo amor, é uma comunidade de pessoas: dos esposos, homem e mulher, dos pais e dos filhos, dos parentes. A sua primeira tarefa é a de viver fielmente a realidade da comunhão num constante empenho por fazer crescer uma autêntica comunidade de pessoas.
O princípio interior, a força permanente e a meta última de tal dever é o amor: como, sem o amor, a família não é uma comunidade de pessoas, assim, sem o amor, a família não pode viver, crescer e aperfeiçoar-se como comunidade de pessoas. Quanto escrevi na Encíclica Redemptor Hominis encontra, exactamente na família como tal, a sua aplicação originária e privilegiada: «O homem não pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se não o experimenta e se não o torna algo próprio, se nele não participa vivamente»(45).
O amor entre o homem e a mulher no matrimônio e, de forma derivada e ampla, o amor entre os membros da mesma família - entre pais e filhos, entre irmãos e irmãs, entre parentes e familiares - é animado e impelido por um dinamismo interior e incessante, que conduz a família a uma comunhão sempre mais profunda e intensa, fundamento e alma da comunidade conjugal e familiar.
A unidade indivisível da comunhão conjugal
19.A primeira comunhão é a que se instaura e desenvolve entre os cônjuges: em virtude do pato de amor conjugal, o homem e a mulher «já não são dois, mas uma só carne»(46) e são chamados a crescer continuamente nesta comunhão através da fidelidade quotidiana à promessa matrimonial do recíproco dom total.
Esta comunhão conjugal radica-se na complementariedade natural que existe entre o homem e a mulher e alimenta-se mediante a vontade pessoal dos esposos de condividir, num projecto de vida integral, o que têm e o que são: por isso, tal comunhão é fruto e sinal de uma exigência profundamente humana. Porém, em Cristo, Deus assume esta exigência humana, confirma-a, purifica-a e eleva-a, conduzindo-a à perfeição com o sacramento do matrimônio: o Espírito Santo infuso na celebração sacramental oferece aos esposos cristãos o dom de uma comunidade nova, de amor, que é a imagem viva e real daquela unidade singularíssima, que torna a Igreja o indivisível Corpo Místico do Senhor.
O dom do Espírito é um mandamento de vida para os esposos cristãos e, ao mesmo tempo, impulso estimulante a que progridam continuamente numa união cada vez mais rica a todos os níveis - dos corpos, dos caracteres, dos corações, das inteligências e das vontades, das almas(47) - revelando deste modo à Igreja e ao mundo a nova comunhão de amor, doada pela graça de Cristo.
A poligamia contradiz radicalmente uma tal comunhão. Nega de fato, directamente o plano de Deus como nos foi revelado nas origens, porque contrária à igual dignidade pessoal entre o homem e a mulher, que no matrimônio se doam com um amor total e por isso mesmo único e exclusivo. Como escreve o Concílio Vaticano II: «A unidade do matrimônio, confirmado pelo Senhor, manifesta-se também claramente na igual dignidade pessoal da mulher e do homem que se deve reconhecer no mútuo e pleno amor»(48)

14 de julho de 2013

On domingo, julho 14, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
cont... SEGUNDA PARTE


Jesus Cristo, esposo da Igreja, e o sacramento do matrimônio
13.A comunhão entre Deus e os homens encontra o seu definitivo cumprimento em Jesus Cristo, o Esposo que ama e se doa como Salvador da humanidade, unindo-a a Si como seu corpo.
Ele revela a verdade originária do matrimônio, a verdade do «princípio»(27) e, libertando o homem da dureza do seu coração, torna-o capaz de a realizar inteiramente.
Esta revelação chega à sua definitiva plenitude no dom do amor que o Verbo de Deus faz à humanidade, assumindo a natureza humana, e no sacrifício que Jesus Cristo faz de si mesmo sobre a cruz pela sua Esposa, a Igreja. Neste sacrifício descobre-se inteiramente aquele desígnio que Deus imprimiu na humanidade do homem e da mulher, desde a sua criação(28); o matrimônio dos baptizados torna-se assim o símbolo real da Nova e Eterna Aliança, decretada no Sangue de Cristo. O Espírito, que o Senhor infunde, doa um coração novo e torna o homem e a mulher capazes de se amarem, como Cristo nos amou. O amor conjugal atinge aquela plenitude para a qual está interiormente ordenado: a caridade conjugal, que é o modo próprio e específico com que os esposos participam e são chamados a viver a mesma caridade de Cristo que se doa sobre a Cruz.
Numa página merecidamente famosa, Tertuliano exprimia bem a grandeza e a beleza desta vida conjugal em Cristo: «Donde me será dado expor a felicidade do matrimônio unido pela Igreja, confirmado pela oblação eucarística, selado pela bênção, que os anjos anunciam e o Pai ratifica? ... Qual jugo aquele de dois fiéis numa única esperança, numa única observância, numa única servidão! São irmãos e servem conjuntamente sem divisão quanto ao espírito, quanto à carne. Mais, são verdadeiramente dois numa só carne e donde a carne é única, único é o espírito»(29).
Acolhendo e meditando fielmente a Palavra de Deus, a Igreja tem solenemente ensinado e ensina que o matrimônio dos baptizados é um dos sete sacramentos da Nova Aliança(30).
De fato, mediante o Batismo, o homem e a mulher estão definitivamente inseridos na Nova e Eterna Aliança, na Aliança nupcial de Cristo com a Igreja. E é em razão desta indestrutível inserção que a íntima comunidade de vida e de amor conjugal, fundada pelo Criador(31), é elevada e assumida pela caridade nupcial de Cristo, sustentada e enriquecida pela sua força redentora.
Em virtude da sacramentalidade do seu matrimônio, os esposos estão vinculados um ao outro da maneira mais profundamente indissolúvel. A sua pertença recíproca é a representação real, através do sinal sacramental, da mesma relação de Cristo com a Igreja.
Os esposos são portanto para a Igreja o chamamento permanente daquilo que aconteceu sobre a Cruz; são um para o outro, e para os filhos, testemunhas da salvação da qual o sacramento os faz participar. Deste acontecimento de salvação, o matrimônio como cada sacramento, é memorial, actualização e profecia: «Enquanto memorial, o sacramento dá-lhes a graça e o dever de recordar as grandes obras de Deus e de as testemunhar aos filhos; enquanto actualização, dá-lhes a graça e o dever de realizar no presente, um para com o outro e para com os filhos, as exigências de um amor que perdoa e que redime; enquanto profecia dá-lhes a graça e o dever de viver e de testemunhar a esperança do futuro encontro com Cristo»(32).
Como cada um dos sete sacramentos, também o matrimônio é um símbolo real do acontecimento da salvação, mas de um modo próprio. «Os esposos participam nele enquanto esposos, a dois como casal, a tal ponto que o efeito primeiro e imediato do matrimônio (res et sacramentum) não é a graça sacramental propriamente, mas o vínculo conjugal cristão, uma comunhão a dois tipicamente cristã porque representa o mistério da Encarnação de Cristo e o seu Mistério de Aliança. E o conteúdo da participação na vida de Cristo é também específico: o amor conjugal comporta uma totalidade na qual entram todos os componentes da pessoa - chamada do corpo e do instinto, força do sentimento e da afectividade, aspiração do espírito e da vontade - ; o amor conjugal dirige-se a uma unidade profundamente pessoal, aquela que, para além da união numa só carne, não conduz senão a um só coração e a uma só alma; ele exige a indissolubilidade e a fidelidade da doação recíproca definitiva e abre-se à fecundidade (cfr. Encíclica Humanae Vitae, n. 9). Numa palavra, trata-se de características normais do amor conjugal natural, mas com um significado novo que não só as purifica e as consolida, mas eleva-as a ponto de as tornar a expressão dos valores propriamente cristãos»(33).
Os filhos, dom preciosíssimo do matrimônio
14. Segundo o desígnio de Deus, o matrimônio é o fundamento da mais ampla comunidade da família, pois que o próprio instituto do matrimônio e o amor conjugal se ordenam à procriação e educação da prole, na qual encontram a sua coroação(34).
Na sua realidade mais profunda, o amor é essencialmente dom e o amor conjugal, enquanto conduz os esposos ao «conhecimento» recíproco que os torna «uma só carne»(35), não se esgota no interior do próprio casal, já que os habilita para a máxima doação possível, pela qual se tornam cooperadores com Deus no dom da vida a uma nova pessoa humana. Deste modo os cônjuges, enquanto se doam entre si, doam para além de si mesmo a realidade do filho, reflexo vivo do seu amor, sinal permanente da unidade conjugal e síntese viva e indissociável do ser pai e mãe.
Tornando-se pais, os esposos recebem de Deus o dom de uma nova responsabilidade. O seu amor paternal é chamado a tornar-se para os filhos o sinal visível do próprio amor de Deus, «do qual deriva toda a paternidade no céu e na terra»(36).
Não deve todavia esquecer-se que, mesmo quando a procriação não é possível, nem por isso a vida conjugal perde o seu valor. A esterilidade física, de fato, pode ser para os esposos ocasião de outros serviços importantes à vida da pessoa humana, como por exemplo a adopção, as várias formas de obras educativas, a ajuda a outras famílias, às crianças pobres ou deficientes.
A família, comunhão de pessoas
15.No matrimônio e na família constitui-se um complexo de relações interpessoais - vida conjugal, paternidade-maternidade, filiação, fraternidade - mediante as quais cada pessoa humana é introduzida na «família humana» e na «família de Deus», que é a Igreja.
O matrimônio e a família dos cristãos edificam a Igreja: na família, de fato, a pessoa humana não só é gerada e progressivamente introduzida, mediante a educação, na comunidade humana, mas mediante a regeneração do Batismo e a educação na fé, é introduzida também na família de Deus, que é a Igreja.
A família humana, desagregada pelo pecado, é reconstituída na sua unidade pela força redentora da morte e ressurreição de Cristo(37). O matrimônio cristão, partícipe da eficácia salvífica deste acontecimento, constitui o lugar natural onde se cumpre a inserção da pessoa humana na grande família da Igreja.
O mandato de crescer e de multiplicar-se, dirigido desde o princípio ao homem e à mulher, atinge desta maneira a sua plena verdade e a sua integral realização.
A Igreja encontra assim na família, nascida do sacramento, o seu berço e o lugar onde pode actuar a própria inserção nas gerações humanas, e estas, reciprocamente, na Igreja.
Matrimônio e virgindade
16. A virgindade e o celibato pelo Reino de Deus não só não contradizem a dignidade do matrimônio, mas a pressupõem e confirmam. O matrimônio e a virgindade são os dois modos de exprimir e de viver o único Mistério da Aliança de Deus com o seu povo. Quando não se tem apreço pelo matrimônio, não tem lugar a virgindade consagrada; quando a sexualidade humana não é considerada um grande valor dado pelo Criador, perde significado a renúncia pelo Reino dos Céus.
De modo muito justo diz S. João Crisóstomo: «Quem condena o matrimônio, priva a virgindade da sua glória; pelo contrário, quem o louva, torna a virgindade mais admirável e esplendente. O que parece um bem apenas quando comparado ao mal, não é pois um grande bem; mas o que é melhor do que aquilo que todos consideram bom, é certamente um bem em grau superlativo»(38).
Na virgindade o homem está inclusive corporalmente em atitude de espera, pelas núpcias escatológicas de Cristo com a Igreja, dando-se integralmente à Igreja na esperança de que Cristo se lhe doe na plena verdade da vida eterna. A pessoa virgem antecipa assim na sua carne o mundo novo da ressurreição futura(39).
Por força deste testemunho, a virgindade mantém viva na Igreja a consciência do mistério do matrimônio e defende-o de todo o desvio e de todo o empobrecimento.
Tornando livre de um modo especial o coração humano(40), «de forma a inebriá-lo muito mais de caridade para com Deus e para com todos os homens»(41), a virgindade testemunha que o Reino de Deus e a sua justiça são aquela pérola preciosa que é preferida a qualquer outro valor, mesmo que seja grande, e, mais ainda, é procurada como o único valor definitivo. É por isso que a Igreja, durante toda a sua história, defendeu sempre a superioridade deste carisma no confronto com o do matrimônio, em razão do laço singular que ele tem com o Reino de Deus(42)
Embora tendo renunciado à fecundidade física, a pessoa virgem torna-se espiritualmente fecunda, pai e mãe de muitos, cooperando na realização da família segundo o desígnio de Deus.
Os esposos cristãos têm portanto o direito de esperar das pessoas virgens o bom exemplo e o testemunho da fidelidade à sua vocação até à morte. Como para os esposos a fidelidade se torna às vezes difícil e exige sacrifício, mortificação e renúncia, também o mesmo pode acontecer às pessoas virgens. A fidelidade destas, mesmo na provação eventual, deve edificar a fidelidade daqueles(43).
Estas reflexões sobre a virgindade podem iluminar e ajudar os que, por motivos independentes da sua vontade, não se puderam casar e depois aceitaram a sua situação em espírito de serviço. 


13 de julho de 2013

On sábado, julho 13, 2013 by Pe. Lucione Queiroz


SEGUNDA PARTE
O DESÍGNIO DE DEUS SOBRE O MATRIMÔNIO
E SOBRE A FAMÍLIA
  
O homem imagem de Deus Amor
 11.Deus criou o homem à sua imagem e semelhança(20): chamando-o à existência por amor, chamou-o ao mesmo tempo ao amor.
Deus é amor(21) e vive em si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor. Criando-a à sua imagem e conservando-a continuamente no ser, Deus inscreve na humanidade do homem e da mulher a vocação, e, assim, a capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão(22). O amor é, portanto, a fundamental e originária vocação do ser humano.
Enquanto espírito encarnado, isto é, alma que se exprime no corpo informado por um espírito imortal, o homem é chamado ao amor nesta sua totalidade unificada. O amor abraça também o corpo humano e o corpo torna-se participante do amor espiritual.
A Revelação cristã conhece dois modos específicos de realizar a vocação da pessoa humana na sua totalidade ao amor: o Matrimônio e a Virgindade. Quer um quer outro, na sua respectiva forma própria, são uma concretização da verdade mais profunda do homem, do seu «ser à imagem de Deus».
Por consequência a sexualidade, mediante a qual o homem e a mulher se doam um ao outro com os atos próprios e exclusivos dos esposos, não é em absoluto algo puramente biológico, mas diz respeito ao núcleo íntimo da pessoa humana como tal. Esta realiza-se de maneira verdadeiramente humana, somente se é parte integral do amor com o qual homem e mulher se empenham totalmente um para com o outro até à morte. A doação física total seria falsa se não fosse sinal e fruto da doação pessoal total, na qual toda a pessoa, mesmo na sua dimensão temporal, está presente: se a pessoa se reservasse alguma coisa ou a possibilidade de decidir de modo diferente para o futuro, só por isto já não se doaria totalmente.
Esta totalidade, pedida pelo amor conjugal, corresponde também às exigências de uma fecundidade responsável, que, orientada como está para a geração de um ser humano, supera, por sua própria natureza, a ordem puramente biológica, e abarca um conjunto de valores pessoais, para cujo crescimento harmonioso é necessário o estável e concorde contributo dos pais.
O «lugar» único, que torna possível esta doação segundo a sua verdade total, é o matrimônio, ou seja o pato de amor conjugal ou escolha consciente e livre, com a qual o homem e a mulher recebem a comunidade íntima de vida e de amor, querida pelo próprio Deus(23) que só a esta luz manifesta o seu verdadeiro significado. A instituição matrimonial não é uma ingerência indevida da sociedade ou da autoridade, nem a imposição extrínseca de uma forma, mas uma exigência interior do pato de amor conjugal que publicamente se afirma como único e exclusivo, para que seja vivida assim a plena fidelidade ao desígnio de Deus Criador. Longe de mortificar a liberdade da pessoa, esta fidelidade põe-na em segurança em relação ao subjectivismo e relativismo, fá-la participante da Sabedoria Criadora.
O matrimônio e a comunhão entre Deus e os homens
12.A comunhão de amor entre Deus e os homens, conteúdo fundamental da Revelação e da experiência de fé de Israel, encontra uma sua significativa expressão na aliança nupcial, que se instaura entre o homem e a mulher.
É por isto que a palavra central da Revelação, «Deus ama o seu povo», é também pronunciada através das palavras vivas e concretas com que o homem e a mulher se declaram o seu amor conjugal. O seu vínculo de amor torna-se a imagem e o símbolo da Aliança que une Deus e o seu povo(24). E o mesmo pecado, que pode ferir o pato conjugal, torna-se imagem da infidelidade do povo para com o seu Deus: a idolatria é prostituição(25), a infidelidade é adultério, a desobediência à lei é abandono do amor nupcial para com o Senhor. Mas a infidelidade de Israel não destrói a fidelidade eterna do Senhor e, portanto, o amor sempre fiel de Deus põe-se como exemplar das relações do amor fiel que devem existir entre os esposos(26).

12 de julho de 2013

On sexta-feira, julho 12, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
continuação e conclusão da primeira parte do documento.


PRIMEIRA PARTE 
LUZES E SOMBRAS DA FAMÍLIA DE HOJE


A situação da família no mundo de hoje
6.A situação em que se encontra a família apresenta aspectos positivos e aspectos negativos: sinal, naqueles, da salvação de Cristo operante no mundo; sinal, nestes, da recusa que o homem faz ao amor de Deus.
Por um lado, de fato, existe uma consciência mais viva da liberdade pessoal e uma maior atenção à qualidade das relações interpessoais no matrimônio, à promoção da dignidade da mulher, à procriação responsável, à educação dos filhos; há, além disso, a consciência da necessidade de que se desenvolvam relações entre as famílias por uma ajuda recíproca espiritual e material, a descoberta de novo da missão eclesial própria da família e da sua responsabilidade na construção de uma sociedade mais justa. Por outro lado, contudo, não faltam sinais de degradação preocupante de alguns valores fundamentais: uma errada concepção teórica e prática da independência dos cônjuges entre si; as graves ambiguidades acerca da relação de autoridade entre pais e filhos; as dificuldades concretas, que a família muitas vezes experimenta na transmissão dos valores; o número crescente dos divórcios; a praga do aborto; o recurso cada vez mais frequente à esterilização; a instauração de uma verdadeira e própria mentalidade contraceptiva.
Na raiz destes fenômenos negativos está muitas vezes uma corrupção da ideia e da experiência de liberdade concebida não como capacidade de realizar a verdade do projecto de Deus sobre o matrimônio e a família, mas como força autónoma de afirmação, não raramente contra os outros, para o próprio bem-estar egoístico.
Merece também a nossa atenção o fato de que, nos países do assim chamado Terceiro Mundo, faltem muitas vezes às famílias quer os meios fundamentais para a sobrevivência, como o alimento, o trabalho, a habitação, os medicamentos, quer as mais elementares liberdades. Nos países mais ricos, pelo contrário, o bem-estar excessivo e a mentalidade consumística, paradoxalmente unida a uma certa angústia e incerteza sobre o futuro, roubam aos esposos a generosidade e a coragem de suscitarem novas vidas humanas: assim a vida é muitas vezes entendida não como uma bênção, mas como um perigo de que é preciso defender-se.
A situação histórica em que vive a família apresenta-se, portanto, como um conjunto de luzes e sombras.
Isto revela que a história não é simplesmente um progresso necessário para o melhor, mas antes um acontecimento de liberdade, e ainda um combate entre liberdades que se opõem entre si; segundo a conhecida expressão de Santo Agostinho, um conflito entre dois amores: o amor de Deus impelido até ao desprezo de si, e o amor de si impelido até ao desprezo de Deus(16).
Segue-se que só a educação para o amor, radicada na fé, pode levar a adquirir a capacidade de interpretar «os sinais dos tempos», que são a expressão histórica deste duplo amor.
O influxo da situação na consciência dos fiéis
7.  Vivendo em tal mundo, sob pressões derivadas sobretudo dos mass-media, nem sempre os fiéis souberam e sabem manter-se imunes diante do obscurecimento dos valores fundamentais e pôr-se como consciência crítica desta cultura familiar e como sujeitos activos da construção de um humanismo familiar autêntico.
Entre os sinais mais preocupantes deste fenômeno, os Padres Sinodais sublinharam, em particular, o difundir-se do divórcio e do recurso a uma nova união por parte dos mesmos fiéis; a aceitação do matrimônio meramente civil, em contradição com a vocação dos baptizados «a casarem-se no Senhor»; a celebração do sacramento do matrimônio sem uma fé viva, mas por outros motivos; a recusa das normas morais que guiam e promovem o exercício humano e cristão da sexualidade no matrimônio.
A nossa época tem necessidade de sabedoria
 8. Põe-se assim a toda a Igreja o dever de uma reflexão e de um empenho bastante profundo, para que a nova cultura emergente seja intimamente evangelizada, sejam reconhecidos os verdadeiros valores, sejam defendidos os direitos do homem e da mulher e seja promovida a justiça também nas estruturas da sociedade. Em tal modo o «novo humanismo» não afastará os homens da sua relação com Deus, mas conduzi-los-á para Ele mais plenamente.
Na construção de tal humanismo, a ciência e as suas aplicações técnicas oferecem novas e imensas possibilidades. Todavia, a ciência, em consequência de posições políticas que decidem a direcção de investigações e aplicações, é muitas vezes usada contra o seu significado originário, a promoção da pessoa humana.
Torna-se, portanto, necessário recuperar por par te de todos a consciência do primado dos valores morais, que são os valores da pessoa humana como tal. A nova compreensão do sentido último da vida e dos seus valores fundamentais é a grande tarefa que se impõe hoje para a renovação da sociedade. Só a consciência do primado destes valores consente um uso das imensas possibilidades colocadas nas mãos do homem pela ciência, que vise verdadeiramente a promoção da pessoa humana na sua verdade integral, na sua liberdade e dignidade. A ciência é chamada a juntar-se à sabedoria.
Podem aplicar-se aos problemas da família as palavras do Concílio Vaticano II: «Mais do que os séculos passados, o nosso tempo precisa de uma tal sabedoria, para que se humanizem as novas descobertas dos homens. Está ameaçado, com efeito, o destino do mundo, se não surgirem homens cheios de sabedoria»(17).
A educação da consciência moral, que faz o homem capaz de julgar e discernir os modos aptos para a sua realização segundo a verdade originária, torna-se assim uma exigência prioritária e irrenunciável.
É a aliança com a sabedoria divina que deve ser mais profundamente reconstituída na cultura moderna. De tal Sabedoria cada homem foi feito participante pelo mesmo gesto criador de Deus. E é só na fidelidade a esta aliança que as famílias de hoje estarão em grau de influenciar positivamente na construção de um mundo mais justo e fraterno.
Gradualidade e conversão
 9.Todos devemos opor-nos com uma conversão da mente e do coração, seguindo a Cristo Crucificado, no dizer não ao próprio egoísmo, à injustiça originada pelo pecado - profundamente penetrado também nas estruturas do mundo de hoje - e que muitas vezes obsta a família na plena realização de si mesma e dos seus direitos fundamentais. Uma semelhante conversão não poderá deixar de ter influência benéfica e renovadora mesmo sobre as estruturas da sociedade.
É pedida uma conversão contínua, permanente, que, embora exigindo o afastamento interior de todo o mal e a adesão ao bem na sua plenitude, se actua concretamente em passos que conduzem sempre para além dela. Desenvolve-se assim um processo dinâmico, que avança gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus e das exigências do seu amor definitivo e absoluto em toda a vida pessoal e social do homem. É, por isso, necessário um caminho pedagógico de crescimento, a fim de que os fiéis, as famílias e os povos, antes, a própria civilização, daquilo que já receberam do Mistério de Cristo, possam ser conduzidos pacientemente mais além, atingindo um conhecimento mais rico e uma integração mais plena deste mistério na sua vida.
«Inculturação» 
10.  É de fato conforme à tradição constante da Igreja recolher das culturas dos povos tudo aquilo que é em grau de exprimir melhor as inexauríveis riquezas de Cristo(18). Só com o concurso de todas as culturas, tais riquezas poderão manifestar-se sempre mais claramente e a Igreja poderá caminhar para um conhecimento cada dia mais completo e aprofundado da verdade, que já lhe foi inteiramente oferecida pelo seu Senhor.
Tendo firme o duplo princípio da compatibilidade das várias culturas a assumir com o Evangelho e da comunhão com a Igreja universal, deverá prosseguir-se no estudo - particularmente por parte das Conferências episcopais e dos Dicastérios competentes da Cúria Romana - e no empenhamento pastoral para que esta «inculturação» da fé cristã se realize sempre mais amplamente também no âmbito do matrimônio e da família.
É mediante a «inculturação» que se caminha para a reconstituição plena da aliança com a Sabedoria de Deus, que é o próprio Cristo. A Igreja inteira será enriquecida também por aquelas culturas que, embora carentes de tecnologia, são ricas em sabedoria humana e vivificadas por profundos valores morais.
Para que seja clara a meta deste caminho e, por conseguinte, seguramente indicada a estrada, o Sínodo, em primeiro lugar e em profundidade considerou justamente o projecto originário de Deus acerca do matrimônio e da família: quis «retornar ao princípio» em obséquio ao ensinamento de Cristo(19).