24 de julho de 2013
On quarta-feira, julho 24, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
Terceira parte... cont.
31. A Igreja está sem dúvida consciente dos
múltiplos e complexos problemas que hoje em muitos países envolvem os cônjuges
no seu dever de transmitir responsavelmente a vida. Reconhece também o grave
problema do incremento demográfico, como se apresenta nas diversas partes do
mundo, e as relativas implicações morais.
Para que o
plano divino se
realize sempre mais plenamente
A Igreja
considera, todavia, que uma reflexão aprofundada de todos os aspectos de tais
problemas ofereça uma nova e mais forte confirmação da importância da doutrina
autêntica sobre a regulação da natalidade, reproposta no Concílio Vaticano II e
na encíclica Humanae Vitae.
Por isto,
juntamente com os Padres Sinodais, sinto o dever de dirigir um urgente convite
aos teólogos a fim de que, unindo as suas forças para colaborar com o
Magistério hierárquico, se empenhem em iluminar cada vez melhor os fundamentos
bíblicos, as motivações éticas e as razões personalísticas desta doutrina. Será
assim possível, no contexto de uma exposição orgânica, tornar a doutrina da
Igreja sobre este tema fundamental verdadeiramente acessível a todos os homens
de boa vontade, favorecendo uma compreensão cada dia mais luminosa e profunda:
desta forma o plano divino poderá ser sempre mais plenamente cumprido para a
salvação do homem e para a glória do Criador.
A tal respeito,
o empenho concorde dos teólogos, inspirado pela adesão convencida ao
Magistério, que é o único guia autêntico do Povo de Deus, apresenta particular
urgência mesmo em razão da visão do homem que a Igreja propõe: dúvidas ou erros
no campo matrimonial ou familiar implicam um grave obscurecer-se da verdade
integral sobre o homem numa situação cultural já tão frequentemente confusa e
contraditória O contributo de iluminação e de investigação, que os teólogos são
chamados a oferecer no cumprimento da sua missão específica, tem um valor
incomparável e representa um serviço singular, altamente meritório, à família e
à humanidade.
Na visão
integral do homem e da sua vocação
32.No contexto
de uma cultura que deforma gravemente ou chega até a perder o verdadeiro
significado da sexualidade humana, porque a desenraíza da sua referência
essencial à pessoa, a Igreja sente como mais urgente e insubstituível a sua
missão de apresentar a sexualidade como valor e tarefa de toda a pessoa criada,
homem e mulher, à imagem de Deus.
Nesta
perspectiva o Concílio Vaticano II afirmou claramente que «quando se trata de
conciliar o amor conjugal com a transmissão responsável da vida, a moralidade
do comportamento não depende apenas da sinceridade da intenção e da apreciação
dos motivos; deve também determinar-se por critérios objectivos, tomados da
natureza da pessoa e dos seus atos; critérios que respeitam, num contexto
de autêntico amor, o sentido da mútua doação e da procriação humana. Tudo isto
só é possível se se cultivar sinceramente a virtude da castidade conjugal»(86).
É exactamente
partindo da «visão integral do homem e da sua vocação, não só natural e
terrena, mas também sobrenatural e eterna»(87), que Paulo VI afirmou que a doutrina
da Igreja «se funda na conexão inseparável, que Deus quis e que o homem não
pode quebrar por sua iniciativa, entre os dois significados do ato conjugal: o
significado unitivo e o significado procriativo»(88). E conclui reafirmando que é de
excluir, como intrinsecamente desonesta, «toda a ação que, ou em previsão do ato
conjugal, ou na sua realização, ou no desenvolvimento das suas consequências
naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar a procriação impossível»(89).
Quando os
cônjuges, mediante o recurso à contracepção, separam estes dois significados
que Deus Criador inscreveu no ser do homem e da mulher e no dinamismo da sua
comunhão sexual, comportam-se como «árbitros» do plano divino e «manipulam» e
aviltam a sexualidade humana, e com ela a própria pessoa e a do cônjuge,
alterando desse modo o valor da doação «total». Assim, à linguagem nativa que
exprime a recíproca doação total dos cônjuges, a contracepção impõe uma
linguagem objectivamente contradictória, a do não doar-se ao outro: deriva
daqui, não somente a recusa positiva de abertura à vida, mas também uma
falsificação da verdade interior do amor conjugal, chamado a doar-se na
totalidade pessoal.
Quando pelo
contrário os cônjuges, mediante o recurso a períodos de infecundidade,
respeitam a conexão indivisível dos significados unitivo e procriativo da
sexualidade humana, comportam-se como «ministros» de plano de Deus e «usufruem»
da sexualidade segundo o dinamismo originário da doação «total», se
manipulações e alterações(90).
À luz da
experiência mesma de tantos casais e dos dados das diversas ciências humanas, a
reflexão teológica pode receber e é chamada a aprofundar a diferença antropológica
e ao mesmo tempo moral, que existe entre a contracepção e o recurso aos
ritmos temporais: trata-se de uma diferença bastante mais vasta e profunda de
quanto habitualmente se possa pensar e que, em última análise, envolve duas
concepções da pessoa e da sexualidade humana irredutíveis entre si. A escolha
dos ritmos naturais, de fato, comporta a aceitação do ritmo biológico da
mulher, e com isto também a aceitação do diálogo, do respeito recíproco, da
responsabilidade comum, do domínio de si. Acolher, depois, o tempo e o diálogo
significa reconhecer o carácter conjuntamente espiritual e corpóreo da comunhão
conjugal, como também viver o amor pessoal na sua exigência de fidelidade.
Neste contexto o casal faz a experiência da comunhão conjugal enriquecida
daqueles valores de ternura e afectividade, que constituem o segredo profundo
da sexualidade humana, mesmo na sua dimensão física. Desta maneira a
sexualidade é respeitada e promovida na sua dimensão verdadeira e plenamente
humana, não sendo nunca «usada» como um «objecto» que, dissolvendo a unidade
pessoal da alma e do corpo, fere a própria criação de Deus na relação mais
íntima entre a natureza e a pessoa.
19 de julho de 2013
On sexta-feira, julho 19, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
Parte III - segunda parte...
II - O SERVIÇO À
VIDA
1) A
transmissão da vida
Cooperadores
do amor de Deus
Criador
28.Com a criação
do homem e da mulher à sua imagem e semelhança, Deus coroa e leva à perfeição a
obra das suas mãos: Ele chama-os a uma participação especial do seu amor e do
seu poder de Criador e de Pai, mediante uma cooperação livre e responsável
deles na transmissão do dom da vida humana: «Deus abençoou-os e disse-lhes:
"crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra"»(80).
Assim a tarefa
fundamental da família é o serviço à vida. É realizar, através da história, a
bênção originária do Criador, transmitindo a imagem divina pela geração de
homem a homem(81).
A fecundidade é
o fruto e o sinal do amor conjugal, o testemunho vivo da plena doação recíproca
dos esposos: «O autêntico culto do amor conjugal e toda a vida familiar que
dele nasce, sem pôr de lado os outros fins do matrimônio, tendem a que os
esposos, com fortaleza de animo, estejam dispostos a colaborar com o amor do
Criador e Salvador, que por meio deles aumenta cada dia mais e enriquece a
família»(82).
A fecundidade do
amor conjugal não se restringe somente à procriação dos filhos, mesmo que
entendida na dimensão especificamente humana: alarga-se e enriquece-se com
todos aqueles frutos da vida moral, espiritual e sobrenatural que o pai e a mãe
são chamados a doar aos filhos e, através dos filhos, à Igreja e ao mundo.
A doutrina
e a norma sempre antigas
e sempre novas da Igreja
29.
Exactamente porque o amor dos cônjuges é uma participação singular no mistério
da vida e no amor do próprio Deus, a Igreja tem consciência de ter recebido a
missão especial de guardar e de proteger a altíssima dignidade do matrimônio e
a gravíssima responsabilidade da transmissão da vida humana.
Desta maneira,
na continuidade com a tradição viva da comunidade eclesial através da história,
o Concílio Vaticano II e o magistério do meu Predecessor Paulo VI, expresso
sobretudo na encíclica Humanae Vitae, transmitiram aos nossos
tempos um anúncio verdadeiramente profético, que reafirma e repõe, com clareza,
a doutrina e a norma sempre antigas e sempre novas da Igreja sobre o matrimônio
e sobre a transmissão da vida humana.
Por isso, os
Padres Sinodais declaram textualmente na última Assembléia: «Este Sacro Sínodo
reunido em união de fé com o Sucessor de Pedro, sustenta firmemente o que foi
proposto pelo Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, 50 e, depois, pela
encíclica Humanae Vitae, e em particular que o amor
conjugal deve ser plenamente humano, exclusivo e aberto a nova vida (Humanae Vitae, 11 e cfr. 9 e 12)»(83).
A Igreja
está do lado da vida
30.A doutrina da
Igreja coloca-se hoje numa situação social e cultural que a torna mais difícil
de ser compreendida e ao mesmo tempo mais urgente e insubstituível para
promover o verdadeiro bem do homem e da mulher.
De fato o
progresso científico-técnico que o homem contemporâneo amplia continuamente no
domínio sobre a natureza, não só desenvolve a esperança de criar uma humanidade
nova e melhor, mas gera também uma sempre mais profunda angústia sobre o
futuro. Alguns perguntam-se se viver é bom ou se não teria sido melhor nem
sequer ter nascido. Duvidam, portanto, da liceidade de chamar outros à vida,
que talvez amaldiçoarão a sua existência num mundo cruel, cujos terrores nem
sequer são previsíveis. Outros pensam que são os únicos destinatários das
vantagens da técnica e excluem os demais, impondo-lhes meios contraceptivos ou
técnicas ainda piores. Outros ainda, manietados como estão pela mentalidade
consumística e com a única preocupação de um aumento contínuo dos bens
materiais, acabam por não chegar a compreender e portanto por rejeitar a
riqueza espiritual de uma nova vida humana. A razão última destas mentalidades
é a ausência de Deus do coração dos homens, cujo amor só por si é mais forte do
que todos os possíveis medos do mundo e tem o poder de os vencer.
Nasceu assim uma
mentalidade contra a vida (anti-life mentality), como emerge de muitas
questões actuais: pense-se, por exemplo, num certo pânico derivado dos estudos
dos ecólogos e dos futurólogos sobre a demografia, que exageram, às vezes, o
perigo do incremento demográfico para a qualidade da vida.
Mas a Igreja crê
firmemente que a vida humana, mesmo se débil e com sofrimento, é sempre um
esplêndido dom do Deus da bondade. Contra o pessimismo e o egoísmo que
obscurecem o mundo, a Igreja está do lado da vida: e em cada vida humana sabe
descobrir o esplendor daquele «Sim», daquele «Amém» que é o próprio Cristo (84). Ao «não» que invade e aflige o
mundo, contrapõe este «Sim» vivente, defendendo deste modo o homem e o mundo de
quantos insidiam e mortificam a vida.
A Igreja é
chamada a manifestar novamente a todos, com uma firme e mais clara convicção, a
vontade de promover, com todos os meios e de defender contra todas as insídias
a vida humana, em qualquer condição e estado de desenvolvimento em que se
encontre.
Por tudo isto a
Igreja condena como ofensa grave à dignidade humana e à justiça todas aquelas
actividades dos governos ou de outras autoridades públicas, que tentam limitar
por qualquer modo a liberdade dos cônjuges na decisão sobre os filhos.
Consequentemente qualquer violência exercitada por tais autoridades em favor da
contracepção e até da esterilização e do aborto procurado, é absolutamente de
condenar e de rejeitar com firmeza. Do mesmo modo é de reprovar como gravemente
injusto o fato de nas relações internacionais, a ajuda económica concedida para
a promoção dos povos ser condicionada a programas de contracepção,
esterilização e aborto procurado85.
18 de julho de 2013
On quinta-feira, julho 18, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA FAMILIARIS CONSORTIO
Terceira parte... cont...
Terceira parte... cont...
Os
direitos da criança
26.Na família,
comunidade de pessoas, deve reservar-se uma especialíssima atenção à criança,
desenvolvendo uma estima profunda pela sua dignidade pessoal como também um
grande respeito e um generoso serviço pelos seus direitos. Isto vale para cada
criança, mas adquire uma urgência singular quanto mais pequena e desprovida,
doente, sofredora ou diminuída for a criança.
Solicitando e
vivendo um cuidado terno e forte por cada criança que vem a este mundo, a
Igreja cumpre uma sua missão fundamental: revelar e repetir na história o
exemplo e o mandamento de Cristo, que quis pôr a criança em destaque no Reino
de Deus: «Deixai vir a Mim os pequeninos e não os impeçais pois deles é o reino
de Deus»(75).
Repito novamente
o que disse na Assembléia geral das Nações Unidas em 2 de Outubro de 1979:
«Desejo ... exprimir a felicidade que para cada um de nós constituem as
crianças, primavera da vida, antecipação da história futura de cada pátria
terrestre. Nenhum país do mundo, nenhum sistema político pode pensar no seu
futuro senão através da imagem destas novas gerações que assumirão dos pais o
múltiplo património dos valores, dos deveres e das aspirações da nação à qual
pertencem, e o de toda a família humana. A solicitude pela criança ainda antes
do nascimento, desde o primeiro momento da concepção e, depois, nos anos da
infância e da adolescência, é a primária e fundamental prova da relação do
homem com o homem. E, portanto, que mais se poderá augurar a cada nação e a
toda a humanidade, a todas as crianças do mundo senão aquele futuro melhor no
qual o respeito dos direitos do homem se torne plena realidade no aproximar-se
do ano dois mil?»(76).
O acolhimento, o
amor, a estima, o serviço multíplice e unitário - material, afectivo,
educativo, espiritual - a cada criança que vem a este mundo deverão constituir
sempre uma nota distintiva irrenunciável dos cristãos, em particular das
famílias cristãs. Deste modo as crianças, ao poderem crescer «em sabedoria,
idade e graça diante de Deus e dos homens»(77), darão o seu precioso contributo à
edificação da comunidade familiar e à santificação dos pais(78).
Os anciãos
na família
27.Há culturas
que manifestam uma veneração singular e um grande amor pelo ancião: longe de
ser excluído da família ou de ser suportado como um peso inútil, o ancião
continua inserido na vida familiar, tomando nela parte activa e responsável -
embora devendo respeitar a autonomia da nova família - e sobretudo
desenvolvendo a missão preciosa de testemunha do passado e de inspirador de
sabedoria para os jovens e para o futuro.
Outras culturas,
pelo contrário, especialmente depois de um desenvolvimento industrial e
urbanístico desordenado, forçaram e continuam a forçar os anciãos a situações
inaceitáveis de marginalização que são fonte de atrozes sofrimentos para eles
mesmos e de empobrecimento espiritual para muitas famílias.
É necessário que
a ação pastoral da Igreja estimule todos a descobrir e a valorizar as tarefas
dos anciãos na comunidade civil e eclesial, e, em particular, na família. Na
realidade, «a vida dos anciãos ajuda-nos a esclarecer a escala dos valores
humanos; mostra a continuidade das gerações e demonstra maravilhosamente a
interdependência do povo de Deus. Os anciãos têm além disso o carisma de encher
os espaços vazios entre gerações, antes que se sublevem. Quantas crianças têm
encontrado compreensão e amor nos olhos, nas palavras e nos carinhos dos
anciãos! E quantas pessoas de idade têm subscrito com gosto as inspiradas
palavras bíblicas que a "coroa dos anciãos são os filhos dos filhos"
(Prov. 17, 6)»(79).
17 de julho de 2013
On quarta-feira, julho 17, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
TERCEIRA PARTE... cont...
Uma
comunhão indissolúvel
20.A comunhão
conjugal caracteriza-se não só pela unidade mas também pela sua
indissolubilidade: «Esta união íntima, já que é dom recíproco de duas pessoas,
exige, do mesmo modo que o bem dos filhos, a inteira fidelidade dos cônjuges e
a indissolubilidade da sua união»(49).
É dever
fundamental da Igreja reafirmar vigorosamente - como fizeram os Padres do
Sínodo - a doutrina da indissolubilidade do matrimônio: a quantos, nos nossos
dias, consideram difícil ou mesmo impossível ligar-se a uma pessoa por toda a
vida e a quantos, subvertidos por uma cultura que rejeita a indissolubilidade
matrimonial e que ridiculariza abertamente o empenho de fidelidade dos esposos,
é necessário reafirmar o alegre anúncio da forma definitiva daquele amor
conjugal, que tem em
Jesus Cristo o fundamento e o vigor(50).
Radicada na doação
pessoal e total dos cônjuges e exigida pelo bem dos filhos, a indissolubilidade
do matrimônio encontra a sua verdade última no desígnio que Deus manifestou na
Revelação: Ele quer e concede a indissolubilidade matrimonial como fruto, sinal
e exigência do amor absolutamente fiel que Deus Pai manifesta pelo homem e que
Cristo vive para com a Igreja.
Cristo renova o
desígnio primitivo que o Criador inscreveu no coração do homem e da mulher, e,
na celebração do sacramento do matrimônio, oferece um «coração novo»: assim os
cônjuges podem não só superar a «dureza do coração»(51), mas também e sobretudo compartir o
amor pleno e definitivo de Cristo, nova e eterna Aliança feita carne. Assim
como o Senhor Jesus é a «testemunha fiel»(52), é o «sim» das promessas de Deus(53) e, portanto, a realização suprema da
fidelidade incondicional com que Deus ama o seu povo, da mesma forma os
cônjuges cristãos são chamados a uma participação real na indissolubilidade
irrevogável, que liga Cristo à Igreja, sua esposa, por Ele amada até ao fim(54).
O dom do
sacramento é, ao mesmo tempo, vocação e dever dos esposos cristãos, para que
permaneçam fiéis um ao outro para sempre, para além de todas as provas e
dificuldades, em generosa obediência à santa vontade do Senhor: «O que Deus
uniu, não o separe o homem»(55).
Testemunhar o
valor inestimável da indissolubilidade e da fidelidade matrimonial é uma das
tarefas mais preciosas e mais urgentes dos casais cristãos do nosso tempo. Por
isso, juntamente com todos os Irmãos que participaram no Sínodo dos Bispos,
louvo e encorajo os numerosos casais que, embora encontrando não pequenas
dificuldades, conservam e desenvolvem o dom da indissolubilidade: cumprem desta
maneira, de um modo humilde e corajoso, o dever que lhes foi confiado de ser no
mundo um «sinal» - pequeno e precioso sinal, submetido também às vezes à
tentação, mas sempre renovado - da fidelidade infatigável com que Deus e Jesus
Cristo amam todos os homens e cada homem. Mas é também imperioso reconhecer o valor
do testemunho daqueles cônjuges que, embora tendo sido abandonados pelo
consorte, com a força da fé e da esperança cristãs, não contraíram uma nova
união. Estes cônjuges dão também um autêntico testemunho de fidelidade, de que
tanto necessita o mundo de hoje. Por isto mesmo devem ser encorajados e
ajudados pelos pastores e pelos fiéis da Igreja.
A comunhão
mais ampla da família
21.A comunhão
conjugal constitui o fundamento sobre o qual se continua a edificar a mais
ampla comunhão da família: dos pais e dos filhos, dos irmãos e das irmãs entre
si, dos parentes e de outros familiares.
Tal comunhão
radica-se nos laços naturais da carne e do sangue, e desenvolve-se encontrando
o seu aperfeiçoamento propriamente humano na instauração e maturação dos laços
ainda mais profundos e ricos do espírito: o amor, que anima as relações
interpessoais dos diversos membros da família, constitui a força interior que
plasma e vivifica a comunhão e a comunidade familiar.
A família cristã
é, portanto, chamada a fazer a experiência de uma comunhão nova e original, que
confirma e aperfeiçoa a comunhão natural e humana. Na realidade, a graça de
Jesus Cristo, «o Primogénito entre muitos irmãos»(56), é por sua natureza e dinamismo
interior uma «graça de fraternidade» como a chama Santo Tomás de Aquino(57). O Espírito Santo, que se infunde na
celebração dos sacramentos, é a raiz viva e o alimento inexaurível da comunhão
sobrenatural que estreita e vincula os crentes com Cristo, na unidade da Igreja
de Deus. Uma revelação e actuação específica da comunhão eclesial é constituída
pela família cristã que também, por isto, se pode e deve chamar «Igreja
doméstica»(58).
Todos os membros
da família, cada um segundo o dom que lhe é peculiar, possuem a graça e a
responsabilidade de construir, dia após dia, a comunhão de pessoas, fazendo da
família uma «escola de humanismo mais completo e mais rico»(59): é o que vemos surgir com o cuidado
e o amor para com os mais pequenos, os doentes e os anciãos; com o serviço
recíproco de todos os dias; com a co-participação nos bens, nas alegrias e nos
sofrimentos.
Um momento
fundamental para construir uma comunhão semelhante é constituído pelo
intercambio educativo entre pais e filhos(60), no qual cada um deles dá e recebe.
Mediante o amor, o respeito, a obediência aos pais, os filhos dão o seu
contributo específico e insubstituível para a edificação de uma família
autenticamente humana e cristã(61). Isso ser-lhe-á facilitado, se os
pais exercerem a sua autoridade irrenunciável como um «ministério» verdadeiro e
pessoal, ou seja, como um serviço ordenado ao bem humano e cristão dos filhos,
ordenado particularmente a proporcionar-lhes uma liberdade verdadeiramente
responsável; e se os pais mantiverem viva a consciência do «dom» que recebem
continuamente dos filhos.
A comunhão
familiar só pode ser conservada e aperfeiçoada com grande espírito de
sacrifício. Exige, de fato, de todos e de cada um, pronta e generosa
disponibilidade à compreensão, à tolerância, ao perdão, à reconciliação.
Nenhuma família ignora como o egoísmo, o desacordo, as tensões, os conflitos
agridem, de forma violenta e às vezes mortal, a comunhão: daqui as múltiplas e
variadas formas de divisão da vida familiar. Mas, ao mesmo tempo, cada família
é sempre chamada pelo Deus da paz a fazer a experiência alegre e renovadora da
«reconciliação», ou seja, da comunhão restabelecida, da unidade reencontrada Em
particular a participação no sacramento da reconciliação e no banquete do único
Corpo de Cristo oferece à família cristã a graça e a responsabilidade de
superar todas as divisões e de caminhar para a plena verdade querida por Deus,
respondendo assim ao vivíssimo desejo do Senhor: que «todos sejam um»(62).
Direitos e
função da mulher
22.
Enquanto é, e deve tornar-se, comunhão e comunidade de pessoas, a família
encontra no amor a fonte e o estímulo incessante para acolher, respeitar e
promover cada um dos seus membros na altíssima dignidade de pessoas, isto é, de
imagens vivas de Deus. Como justamente afirmaram os Padres Sinodais, o critério
moral da autenticidade das relações conjugais e familiares consiste na promoção
da dignidade e vocação de cada uma das pessoas que encontram a sua plenitude
mediante o dom sincero de si mesmas(63).
Nesta
perspectiva, o Sínodo quis prestar atenção privilegiada à mulher, aos seus
direitos e função na família e na sociedade. Nesta mesma perspectiva devem
considerar-se também o homem como esposo e pai, a criança e os anciãos.
É de
ressaltar-se antes de tudo a igual dignidade e responsabilidade da mulher em
relação ao homem: tal igualdade encontra uma forma singular de realização na
doação recíproca de si ao outro e de ambos aos filhos, doação que é específica
do matrimônio e da família. Tudo o que a razão intui e reconhece, vem revelado
plenamente pela Palavra de Deus: a história da salvação é, de fato, um contínuo
e claro testemunho da dignidade da mulher.
Ao criar o homem
«varão e mulher»(64), Deus dá a dignidade pessoal de
igual modo ao homem e à mulher, enriquecendo-os dos direitos inalienáveis e das
responsabilidades que são próprias da pessoa humana. Deus manifesta ainda na
forma mais elevada possível a dignidade da mulher, ao assumir Ele mesmo a carne
humana da Virgem Maria, que a Igreja honra como Mãe de Deus, chamando-a nova
Eva e propondo-a como modelo da mulher redimida. O delicado respeito de Jesus
para com as mulheres a quem chamou ao seu séquito e amizade, a aparição na
manhã da Páscoa a uma mulher antes que aos discípulos, a missão confiada às
mulheres de levar a boa nova da Ressurreição aos apóstolos, são tudo sinais que
confirmam a especial estima de Jesus para com a mulher. Dirá o Apóstolo Paulo:
«Porque todos vós sois filhos de Deus, mediante a fé em Jesus Cristo ... Não
há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há homem nem mulher, pois todos
vós sois um só em Cristo Jesus»(65).
A mulher e
a sociedade
23. Sem
entrar agora a tratar nos seus vários aspectos o amplo e complexo tema das
relações mulher-sociedade, mas limitando estas considerações a alguns pontos
essenciais, não se pode deixar de observar como, no campo mais especificamente
familiar, uma ampla e difundida tradição social e cultural tenha pretendido
confiar à mulher só a tarefa de esposa e mãe, sem a estender adequadamente às
funções públicas, em geral, reservadas ao homem.
Não há dúvida
que a igual dignidade e responsabilidade do homem e da mulher justificam
plenamente o acesso da mulher às tarefas públicas. Por outro lado, a verdadeira
promoção da mulher exige também que seja claramente reconhecido o valor da sua
função materna e familiar em confronto com todas as outras tarefas públicas e
com todas as outras profissões. De resto, tais tarefas e profissões devem
integrar-se entre si se se quer que a evolução social e cultural seja verdadeira
e plenamente humana.
Isto
conseguir-se-á mais facilmente se, como o desejou o Sínodo, uma renovada
«teologia do trabalho» esclarecer e aprofundar o significado do trabalho na
vida cristã e determinar o laço fundamental que existe entre o trabalho e a família,
e, portanto, o significado original e insubstituível do trabalho da casa e da
educação dos filhos(66). Portanto a Igreja pode e deve
ajudar a sociedade actual pedindo insistentemente que seja reconhecido por
todos e honrado no seu insubstituível valor o trabalho da mulher em casa. Isto é de
importância particular na obra educativa: de fato, elimina-se a própria raiz da
possível discriminação entre os diversos trabalhos e profissões, logo que se
veja claramente como todos, em cada campo, se empenham com idêntico direito e
com idêntica responsabilidade. Deste modo aparecerá mais esplendente a imagem
de Deus no homem e na mulher.
Se há que
reconhecer às mulheres, como aos homens, o direito de ascender às diversas
tarefas públicas, a sociedade deve estruturar-se, contudo, de maneira tal que
as esposas e as mães não sejam de fato constrangidas a trabalhar fora de
casa e que a família possa dignamente viver e prosperar, mesmo quando elas se
dedicam totalmente ao lar próprio.
Deve além disso
superar-se a mentalidade segundo a qual a honra da mulher deriva mais do
trabalho externo do que da actividade familiar. Mas isto exige que se estime e
se ame verdadeiramente a mulher com todo o respeito pela sua dignidade pessoal,
e que a sociedade crie e desenvolva as devidas condições para o trabalho
doméstico.
A Igreja, com o
devido respeito pela vocação diversa do homem e da mulher, deve promover, na
medida do possível, também na sua vida, a igualdade deles quanto a direitos e
dignidades, e isto para o bem de todos: da família, da Igreja e da sociedade.
É evidente,
porém, que isto não significa para a mulher a renúncia à sua feminilidade nem a
imitação do carácter masculino, mas a plenitude da verdadeira humanidade
feminil, tal como se deve exprimir no seu agir, quer na família quer fora dela,
sem contudo esquecer, neste campo, a variedade dos costumes e das culturas.
Ofensas à
dignidade da mulher
24.
Infelizmente a mensagem cristã acerca da dignidade da mulher vem sendo
impugnada por aquela persistente mentalidade que considera o ser humano não
como pessoa, mas como coisa, como objecto de compra-venda, ao serviço de um
interesse egoístico e exclusivo do prazer: e a primeira vítima de tal
mentalidade é a mulher.
Esta mentalidade
produz frutos bastante amargos, como o desprezo do homem e da mulher, a
escravidão, a opressão dos fracos, a pornografia, a prostituição - sobretudo
quando é organizada - e todas aquelas várias discriminações que se encontram no
âmbito da educação, da profissão, da retribuição do trabalho, etc.
Além disso,
ainda hoje, em grande parte da nossa sociedade, permanecem muitas formas de discriminação
aviltante que ferem e ofendem gravemente algumas categorias particulares de
mulheres, como, por exemplo, as esposas que não têm filhos, as viúvas, as
separadas, as divorciadas, as mães-solteiras.
Estas e outras
discriminações foram veementemente deploradas pelos Padres Sinodais. Solicito,
pois, que se desenvolva uma ação pastoral específica mais vigorosa e incisiva,
a fim de que sejam vencidas em definitivo, para se poder chegar à estima plena
da imagem de Deus que esplandece em todos os seres humanos, sem nenhuma
exclusão.
O homem
esposo e pai
25.É dentro da
comunhão-comunidade conjugal e familiar que o homem é chamado a viver o seu dom
e dever de esposo e pai.
Na esposa ele vê
o cumprimento do desígnio de Deus: «Não é conveniente que o homem esteja só;
vou dar-lhe um auxiliar semelhante a ele»(67) e faz sua a exclamação de Adão, o
primeiro esposo: «Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha
carne»(68).
O amor conjugal
autêntico supõe e exige que o homem tenha um profundo respeito pela igual
dignidade da mulher: «Não és o senhor - escreve Santo Ambrósio - mas o marido;
não te foi dada como escrava, mas como mulher... Retribui-lhe as atenções tidas
para contigo e sê-lhe agradecido pelo seu amor»(69). Com a esposa o homem deve viver
«uma forma muito especial de amizade pessoal»(70). O cristão, é, além disso, chamado a
desenvolver uma atitude de amor novo, manifestando para com a sua esposa a
caridade delicada e forte que Cristo nutre pela Igreja(71).
O amor à esposa
tornada mãe e o amor aos filhos são para o homem o caminho natural para a
compreensão e realização da paternidade. De modo especial onde as condições
sociais e culturais constringem facilmente o pai a um certo desinteresse em
relação à família ou de qualquer forma a uma menor presença na obra educativa,
é necessário ser-se solícito para que se recupere socialmente a convicção de
que o lugar e a tarefa do pai na e pela família são de importância única e
insubstituível(72). Como a experiência ensina, a
ausência do pai provoca desequilíbrios psicológicos e morais e dificuldades
notáveis nas relações familiares. O mesmo acontece também, em circunstâncias
opostas, pela presença opressiva do pai, especialmente onde ainda se verifica o
fenômeno do «machismo», ou seja da superioridade abusiva das prerrogativas
masculinas que humilham a mulher e inibem o desenvolvimento de relações
familiares sadias.
Revelando e
revivendo na terra a mesma paternidade de Deus(73), o homem é chamado a garantir o
desenvolvimento unitário de todos os membros da família. Cumprirá tal dever
mediante uma generosa responsabilidade pela vida concebida sob o coração da mãe
e por um empenho educativo mais solícito e condividido com a esposa(74), por um trabalho que nunca
desagregue a família mas a promova na sua constituição e estabilidade, por um
testemunho de vida cristã adulta, que introduza mais eficazmente os filhos na
experiência viva de Cristo e da Igreja.
On quarta-feira, julho 17, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
TERCEIRA
PARTE
OS
DEVERES DA FAMÍLIA CRISTÃ
Família,
torna-te aquilo que és!
17. No
plano de Deus Criador e Redentor a família descobre não só a sua «identidade»,
o que «é», mas também a sua «missão», o que ela pode e deve «fazer». As
tarefas, que a família é chamada por Deus a desenvolver na história, brotam do
seu próprio ser e representam o seu desenvolvimento dinâmico e existencial.
Cada família descobre e encontra em si mesma o apelo inextinguível, que ao
mesmo tempo define a sua dignidade e a sua responsabilidade: família, «torna-te
aquilo que és»!
Voltar ao
«princípio» do gesto criativo de Deus é então uma necessidade para a família,
se se quiser conhecer e realizar segundo a verdade interior não só do seu ser
mas também do seu agir histórico. E porque, segundo o plano de Deus, é
constituída qual «íntima comunidade de vida e de amor»(44), a família tem a missão de se tornar
cada vez mais aquilo que é, ou seja, comunidade de vida e de amor, numa tensão
que, como para cada realidade criada e redimida, encontrará a plenitude no
Reino de Deus. E numa perspectiva que atinge as próprias raízes da realidade,
deve dizer-se que a essência e os deveres da família são, em última análise,
definidos pelo amor. Por isto é-lhe confiada a missão de guardar, revelar e
comunicar o amor, qual reflexo vivo e participação real do amor de Deus
pela humanidade e do amor de Cristo pela Igreja, sua esposa.
Cada dever
particular da família é a expressão e a actuação concreta de tal missão
fundamental. É necessário, portanto, penetrar mais profundamente na riqueza
singular da missão da família e sondar os seus conteúdos numerosos e unitários.
Em tal sentido,
partindo do amor e em permanente referência a ele, o recente Sínodo pôs em
evidência quatro deveres gerais da família:
1) a formação de
uma comunidade de pessoas;
2) o serviço à
vida;
3) a
participação no desenvolvimento da sociedade;
4) a
participação na vida e na missão da Igreja.
I - A FORMAÇÃO
DE UMA COMUNIDADE DE PESSOAS
O amor,
princípio e força de
comunhão
18.A família,
fundada e vivificada pelo amor, é uma comunidade de pessoas: dos esposos, homem
e mulher, dos pais e dos filhos, dos parentes. A sua primeira tarefa é a de
viver fielmente a realidade da comunhão num constante empenho por fazer crescer
uma autêntica comunidade de pessoas.
O princípio
interior, a força permanente e a meta última de tal dever é o amor: como, sem o
amor, a família não é uma comunidade de pessoas, assim, sem o amor, a
família não pode viver, crescer e aperfeiçoar-se como comunidade de pessoas.
Quanto escrevi na Encíclica Redemptor
Hominis encontra, exactamente na família como tal, a sua
aplicação originária e privilegiada: «O homem não pode viver sem amor. Ele
permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de
sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se
não o experimenta e se não o torna algo próprio, se nele não participa
vivamente»(45).
O amor entre o
homem e a mulher no matrimônio e, de forma derivada e ampla, o amor entre os
membros da mesma família - entre pais e filhos, entre irmãos e irmãs, entre
parentes e familiares - é animado e impelido por um dinamismo interior e
incessante, que conduz a família a uma comunhão sempre mais profunda e
intensa, fundamento e alma da comunidade conjugal e familiar.
A unidade
indivisível da
comunhão conjugal
19.A primeira
comunhão é a que se instaura e desenvolve entre os cônjuges: em virtude do pato
de amor conjugal, o homem e a mulher «já não são dois, mas uma só carne»(46) e são chamados a crescer
continuamente nesta comunhão através da fidelidade quotidiana à promessa
matrimonial do recíproco dom total.
Esta comunhão
conjugal radica-se na complementariedade natural que existe entre o homem e a
mulher e alimenta-se mediante a vontade pessoal dos esposos de condividir, num
projecto de vida integral, o que têm e o que são: por isso, tal comunhão é
fruto e sinal de uma exigência profundamente humana. Porém, em Cristo, Deus
assume esta exigência humana, confirma-a, purifica-a e eleva-a, conduzindo-a à
perfeição com o sacramento do matrimônio: o Espírito Santo infuso na celebração
sacramental oferece aos esposos cristãos o dom de uma comunidade nova, de amor,
que é a imagem viva e real daquela unidade singularíssima, que torna a Igreja o
indivisível Corpo Místico do Senhor.
O dom do
Espírito é um mandamento de vida para os esposos cristãos e, ao mesmo tempo,
impulso estimulante a que progridam continuamente numa união cada vez mais rica
a todos os níveis - dos corpos, dos caracteres, dos corações, das inteligências
e das vontades, das almas(47) - revelando deste modo à Igreja e ao
mundo a nova comunhão de amor, doada pela graça de Cristo.
A poligamia contradiz radicalmente uma tal
comunhão. Nega de fato, directamente o plano de Deus como nos foi revelado nas
origens, porque contrária à igual dignidade pessoal entre o homem e a mulher,
que no matrimônio se doam com um amor total e por isso mesmo único e exclusivo.
Como escreve o Concílio Vaticano II: «A unidade do matrimônio, confirmado pelo
Senhor, manifesta-se também claramente na igual dignidade pessoal da mulher e
do homem que se deve reconhecer no mútuo e pleno amor»(48). 14 de julho de 2013
On domingo, julho 14, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
cont... SEGUNDA PARTE
16. A virgindade e o celibato pelo Reino de
Deus não só não contradizem a dignidade do matrimônio, mas a pressupõem e
confirmam. O matrimônio e a virgindade são os dois modos de exprimir e de viver
o único Mistério da Aliança de Deus com o seu povo. Quando não se tem apreço
pelo matrimônio, não tem lugar a virgindade consagrada; quando a sexualidade
humana não é considerada um grande valor dado pelo Criador, perde significado a
renúncia pelo Reino dos Céus.
Jesus
Cristo, esposo da Igreja, e o sacramento do matrimônio
13.A comunhão
entre Deus e os homens encontra o seu definitivo cumprimento em Jesus Cristo , o
Esposo que ama e se doa como Salvador da humanidade, unindo-a a Si como seu
corpo.
Ele revela a
verdade originária do matrimônio, a verdade do «princípio»(27) e, libertando o homem da dureza do
seu coração, torna-o capaz de a realizar inteiramente.
Esta revelação
chega à sua definitiva plenitude no dom do amor que o Verbo de Deus faz à
humanidade, assumindo a natureza humana, e no sacrifício que Jesus Cristo faz
de si mesmo sobre a cruz pela sua Esposa, a Igreja. Neste sacrifício
descobre-se inteiramente aquele desígnio que Deus imprimiu na humanidade do
homem e da mulher, desde a sua criação(28); o matrimônio dos baptizados
torna-se assim o símbolo real da Nova e Eterna Aliança, decretada no Sangue de
Cristo. O Espírito, que o Senhor infunde, doa um coração novo e torna o homem e
a mulher capazes de se amarem, como Cristo nos amou. O amor conjugal atinge
aquela plenitude para a qual está interiormente ordenado: a caridade conjugal,
que é o modo próprio e específico com que os esposos participam e são chamados
a viver a mesma caridade de Cristo que se doa sobre a Cruz.
Numa página
merecidamente famosa, Tertuliano exprimia bem a grandeza e a beleza desta vida
conjugal em Cristo: «Donde me será dado expor a felicidade do matrimônio unido
pela Igreja, confirmado pela oblação eucarística, selado pela bênção, que os
anjos anunciam e o Pai ratifica? ... Qual jugo aquele de dois fiéis numa única
esperança, numa única observância, numa única servidão! São irmãos e servem
conjuntamente sem divisão quanto ao espírito, quanto à carne. Mais, são
verdadeiramente dois numa só carne e donde a carne é única, único é o espírito»(29).
Acolhendo e
meditando fielmente a Palavra de Deus, a Igreja tem solenemente ensinado e
ensina que o matrimônio dos baptizados é um dos sete sacramentos da Nova
Aliança(30).
De fato,
mediante o Batismo, o homem e a mulher estão definitivamente inseridos na Nova
e Eterna Aliança, na Aliança nupcial de Cristo com a Igreja. E é em razão desta
indestrutível inserção que a íntima comunidade de vida e de amor conjugal,
fundada pelo Criador(31), é elevada e assumida pela caridade
nupcial de Cristo, sustentada e enriquecida pela sua força redentora.
Em virtude da
sacramentalidade do seu matrimônio, os esposos estão vinculados um ao outro da
maneira mais profundamente indissolúvel. A sua pertença recíproca é a
representação real, através do sinal sacramental, da mesma relação de Cristo
com a Igreja.
Os esposos são
portanto para a Igreja o chamamento permanente daquilo que aconteceu sobre a
Cruz; são um para o outro, e para os filhos, testemunhas da salvação da qual o
sacramento os faz participar. Deste acontecimento de salvação, o matrimônio
como cada sacramento, é memorial, actualização e profecia: «Enquanto memorial,
o sacramento dá-lhes a graça e o dever de recordar as grandes obras de Deus e
de as testemunhar aos filhos; enquanto actualização, dá-lhes a graça e o dever
de realizar no presente, um para com o outro e para com os filhos, as
exigências de um amor que perdoa e que redime; enquanto profecia dá-lhes a
graça e o dever de viver e de testemunhar a esperança do futuro encontro com
Cristo»(32).
Como cada um dos
sete sacramentos, também o matrimônio é um símbolo real do acontecimento da
salvação, mas de um modo próprio. «Os esposos participam nele enquanto esposos,
a dois como casal, a tal ponto que o efeito primeiro e imediato do matrimônio (res
et sacramentum) não é a graça sacramental propriamente, mas o
vínculo conjugal cristão, uma comunhão a dois tipicamente cristã porque
representa o mistério da Encarnação de Cristo e o seu Mistério de Aliança. E o
conteúdo da participação na vida de Cristo é também específico: o amor conjugal
comporta uma totalidade na qual entram todos os componentes da pessoa - chamada
do corpo e do instinto, força do sentimento e da afectividade, aspiração do
espírito e da vontade - ; o amor conjugal dirige-se a uma unidade profundamente
pessoal, aquela que, para além da união numa só carne, não conduz senão a um só
coração e a uma só alma; ele exige a indissolubilidade e a fidelidade da doação
recíproca definitiva e abre-se à fecundidade (cfr. Encíclica Humanae Vitae, n. 9). Numa palavra,
trata-se de características normais do amor conjugal natural, mas com um
significado novo que não só as purifica e as consolida, mas eleva-as a ponto de
as tornar a expressão dos valores propriamente cristãos»(33).
Os filhos,
dom preciosíssimo do matrimônio
14. Segundo o
desígnio de Deus, o matrimônio é o fundamento da mais ampla comunidade da
família, pois que o próprio instituto do matrimônio e o amor conjugal se
ordenam à procriação e educação da prole, na qual encontram a sua coroação(34).
Na sua realidade
mais profunda, o amor é essencialmente dom e o amor conjugal, enquanto conduz
os esposos ao «conhecimento» recíproco que os torna «uma só carne»(35), não se esgota no interior do
próprio casal, já que os habilita para a máxima doação possível, pela qual se
tornam cooperadores com Deus no dom da vida a uma nova pessoa humana. Deste
modo os cônjuges, enquanto se doam entre si, doam para além de si mesmo a
realidade do filho, reflexo vivo do seu amor, sinal permanente da unidade
conjugal e síntese viva e indissociável do ser pai e mãe.
Tornando-se
pais, os esposos recebem de Deus o dom de uma nova responsabilidade. O seu amor
paternal é chamado a tornar-se para os filhos o sinal visível do próprio amor
de Deus, «do qual deriva toda a paternidade no céu e na terra»(36).
Não deve todavia
esquecer-se que, mesmo quando a procriação não é possível, nem por isso a vida
conjugal perde o seu valor. A esterilidade física, de fato, pode ser para os
esposos ocasião de outros serviços importantes à vida da pessoa humana, como
por exemplo a adopção, as várias formas de obras educativas, a ajuda a outras
famílias, às crianças pobres ou deficientes.
A família,
comunhão de pessoas
15.No matrimônio
e na família constitui-se um complexo de relações interpessoais - vida
conjugal, paternidade-maternidade, filiação, fraternidade - mediante as quais
cada pessoa humana é introduzida na «família humana» e na «família de Deus»,
que é a Igreja.
O matrimônio e a
família dos cristãos edificam a Igreja: na família, de fato, a pessoa humana
não só é gerada e progressivamente introduzida, mediante a educação, na
comunidade humana, mas mediante a regeneração do Batismo e a educação na fé, é
introduzida também na família de Deus, que é a Igreja.
A família
humana, desagregada pelo pecado, é reconstituída na sua unidade pela força
redentora da morte e ressurreição de Cristo(37). O matrimônio cristão, partícipe da
eficácia salvífica deste acontecimento, constitui o lugar natural onde se
cumpre a inserção da pessoa humana na grande família da Igreja.
O mandato de
crescer e de multiplicar-se, dirigido desde o princípio ao homem e à mulher,
atinge desta maneira a sua plena verdade e a sua integral realização.
A Igreja
encontra assim na família, nascida do sacramento, o seu berço e o lugar onde
pode actuar a própria inserção nas gerações humanas, e estas, reciprocamente,
na Igreja.
Matrimônio
e virgindade
De modo muito
justo diz S. João Crisóstomo: «Quem condena o matrimônio, priva a virgindade da
sua glória; pelo contrário, quem o louva, torna a virgindade mais admirável e
esplendente. O que parece um bem apenas quando comparado ao mal, não é pois um
grande bem; mas o que é melhor do que aquilo que todos consideram bom, é
certamente um bem em grau superlativo»(38).
Na virgindade o
homem está inclusive corporalmente em atitude de espera, pelas núpcias
escatológicas de Cristo com a Igreja, dando-se integralmente à Igreja na
esperança de que Cristo se lhe doe na plena verdade da vida eterna. A pessoa
virgem antecipa assim na sua carne o mundo novo da ressurreição futura(39).
Por força deste
testemunho, a virgindade mantém viva na Igreja a consciência do mistério do matrimônio
e defende-o de todo o desvio e de todo o empobrecimento.
Tornando livre
de um modo especial o coração humano(40), «de forma a inebriá-lo muito mais
de caridade para com Deus e para com todos os homens»(41), a virgindade testemunha que o Reino
de Deus e a sua justiça são aquela pérola preciosa que é preferida a qualquer
outro valor, mesmo que seja grande, e, mais ainda, é procurada como o único
valor definitivo. É por isso que a Igreja, durante toda a sua história,
defendeu sempre a superioridade deste carisma no confronto com o do matrimônio,
em razão do laço singular que ele tem com o Reino de Deus(42).
Embora tendo
renunciado à fecundidade física, a pessoa virgem torna-se espiritualmente
fecunda, pai e mãe de muitos, cooperando na realização da família segundo o
desígnio de Deus.
Os esposos
cristãos têm portanto o direito de esperar das pessoas virgens o bom exemplo e
o testemunho da fidelidade à sua vocação até à morte. Como para os esposos a
fidelidade se torna às vezes difícil e exige sacrifício, mortificação e
renúncia, também o mesmo pode acontecer às pessoas virgens. A fidelidade
destas, mesmo na provação eventual, deve edificar a fidelidade daqueles(43).
Estas reflexões sobre a virgindade podem
iluminar e ajudar os que, por motivos independentes da sua vontade, não se
puderam casar e depois aceitaram a sua situação em espírito de serviço. 13 de julho de 2013
On sábado, julho 13, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
SEGUNDA
PARTE
O
DESÍGNIO DE DEUS SOBRE O MATRIMÔNIO
E SOBRE A FAMÍLIA
E SOBRE A FAMÍLIA
O homem
imagem de Deus Amor
11.Deus
criou o homem à sua imagem e semelhança(20): chamando-o à existência por amor,
chamou-o ao mesmo tempo ao amor.
Deus é amor(21) e vive em si mesmo um mistério de
comunhão pessoal de amor. Criando-a à sua imagem e conservando-a continuamente
no ser, Deus inscreve na humanidade do homem e da mulher a vocação, e, assim, a
capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão(22). O amor é, portanto, a fundamental e
originária vocação do ser humano.
Enquanto
espírito encarnado, isto é, alma que se exprime no corpo informado por um
espírito imortal, o homem é chamado ao amor nesta sua totalidade unificada. O
amor abraça também o corpo humano e o corpo torna-se participante do amor
espiritual.
A Revelação
cristã conhece dois modos específicos de realizar a vocação da pessoa humana na
sua totalidade ao amor: o Matrimônio e a Virgindade. Quer um quer outro, na sua
respectiva forma própria, são uma concretização da verdade mais profunda do
homem, do seu «ser à imagem de Deus».
Por consequência
a sexualidade, mediante a qual o homem e a mulher se doam um ao outro com os atos
próprios e exclusivos dos esposos, não é em absoluto algo puramente biológico,
mas diz respeito ao núcleo íntimo da pessoa humana como tal. Esta realiza-se de
maneira verdadeiramente humana, somente se é parte integral do amor com o qual
homem e mulher se empenham totalmente um para com o outro até à morte. A doação
física total seria falsa se não fosse sinal e fruto da doação pessoal total, na
qual toda a pessoa, mesmo na sua dimensão temporal, está presente: se a pessoa
se reservasse alguma coisa ou a possibilidade de decidir de modo diferente para
o futuro, só por isto já não se doaria totalmente.
Esta totalidade,
pedida pelo amor conjugal, corresponde também às exigências de uma fecundidade
responsável, que, orientada como está para a geração de um ser humano, supera,
por sua própria natureza, a ordem puramente biológica, e abarca um conjunto de
valores pessoais, para cujo crescimento harmonioso é necessário o estável e
concorde contributo dos pais.
O «lugar» único,
que torna possível esta doação segundo a sua verdade total, é o matrimônio, ou
seja o pato de amor conjugal ou escolha consciente e livre, com a qual o homem
e a mulher recebem a comunidade íntima de vida e de amor, querida pelo próprio
Deus(23) que só a esta luz manifesta o seu
verdadeiro significado. A instituição matrimonial não é uma ingerência indevida
da sociedade ou da autoridade, nem a imposição extrínseca de uma forma, mas uma
exigência interior do pato de amor conjugal que publicamente se afirma como
único e exclusivo, para que seja vivida assim a plena fidelidade ao desígnio de
Deus Criador. Longe de mortificar a liberdade da pessoa, esta fidelidade põe-na
em segurança em relação ao subjectivismo e relativismo, fá-la participante da
Sabedoria Criadora.
O matrimônio
e a comunhão entre
Deus e os homens
12.A comunhão de
amor entre Deus e os homens, conteúdo fundamental da Revelação e da experiência
de fé de Israel, encontra uma sua significativa expressão na aliança nupcial,
que se instaura entre o homem e a mulher.
É por isto que a palavra central da Revelação,
«Deus ama o seu povo», é também pronunciada através das palavras vivas e
concretas com que o homem e a mulher se declaram o seu amor conjugal. O seu
vínculo de amor torna-se a imagem e o símbolo da Aliança que une Deus e o seu
povo(24). E o mesmo pecado, que pode ferir o pato
conjugal, torna-se imagem da infidelidade do povo para com o seu Deus: a
idolatria é prostituição(25), a infidelidade é adultério, a
desobediência à lei é abandono do amor nupcial para com o Senhor. Mas a
infidelidade de Israel não destrói a fidelidade eterna do Senhor e, portanto, o
amor sempre fiel de Deus põe-se como exemplar das relações do amor fiel que
devem existir entre os esposos(26).12 de julho de 2013
On sexta-feira, julho 12, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
continuação e conclusão da primeira parte do documento.
PRIMEIRA PARTE
LUZES E SOMBRAS DA FAMÍLIA DE HOJE
A situação
da família no
mundo de hoje
6.A situação em
que se encontra a família apresenta aspectos positivos e aspectos negativos:
sinal, naqueles, da salvação de Cristo operante no mundo; sinal, nestes, da
recusa que o homem faz ao amor de Deus.
Por um lado, de fato,
existe uma consciência mais viva da liberdade pessoal e uma maior atenção à
qualidade das relações interpessoais no matrimônio, à promoção da dignidade da
mulher, à procriação responsável, à educação dos filhos; há, além disso, a
consciência da necessidade de que se desenvolvam relações entre as famílias por
uma ajuda recíproca espiritual e material, a descoberta de novo da missão
eclesial própria da família e da sua responsabilidade na construção de uma
sociedade mais justa. Por outro lado, contudo, não faltam sinais de degradação
preocupante de alguns valores fundamentais: uma errada concepção teórica e
prática da independência dos cônjuges entre si; as graves ambiguidades acerca
da relação de autoridade entre pais e filhos; as dificuldades concretas, que a
família muitas vezes experimenta na transmissão dos valores; o número crescente
dos divórcios; a praga do aborto; o recurso cada vez mais frequente à
esterilização; a instauração de uma verdadeira e própria mentalidade
contraceptiva.
Na raiz destes fenômenos
negativos está muitas vezes uma corrupção da ideia e da experiência de
liberdade concebida não como capacidade de realizar a verdade do projecto de
Deus sobre o matrimônio e a família, mas como força autónoma de afirmação, não
raramente contra os outros, para o próprio bem-estar egoístico.
Merece também a
nossa atenção o fato de que, nos países do assim chamado Terceiro Mundo, faltem
muitas vezes às famílias quer os meios fundamentais para a sobrevivência, como
o alimento, o trabalho, a habitação, os medicamentos, quer as mais elementares
liberdades. Nos países mais ricos, pelo contrário, o bem-estar excessivo e a
mentalidade consumística, paradoxalmente unida a uma certa angústia e incerteza
sobre o futuro, roubam aos esposos a generosidade e a coragem de suscitarem
novas vidas humanas: assim a vida é muitas vezes entendida não como uma bênção,
mas como um perigo de que é preciso defender-se.
A situação
histórica em que vive a família apresenta-se, portanto, como um conjunto de
luzes e sombras.
Isto revela que
a história não é simplesmente um progresso necessário para o melhor, mas antes
um acontecimento de liberdade, e ainda um combate entre liberdades que se opõem
entre si; segundo a conhecida expressão de Santo Agostinho, um conflito entre
dois amores: o amor de Deus impelido até ao desprezo de si, e o amor de si
impelido até ao desprezo de Deus(16).
Segue-se que só
a educação para o amor, radicada na fé, pode levar a adquirir a capacidade de
interpretar «os sinais dos tempos», que são a expressão histórica deste duplo
amor.
O influxo
da situação
na consciência dos fiéis
7. Vivendo
em tal mundo, sob pressões derivadas sobretudo dos mass-media, nem sempre os
fiéis souberam e sabem manter-se imunes diante do obscurecimento dos valores
fundamentais e pôr-se como consciência crítica desta cultura familiar e como
sujeitos activos da construção de um humanismo familiar autêntico.
Entre os sinais
mais preocupantes deste fenômeno, os Padres Sinodais sublinharam, em
particular, o difundir-se do divórcio e do recurso a uma nova união por parte
dos mesmos fiéis; a aceitação do matrimônio meramente civil, em contradição com
a vocação dos baptizados «a casarem-se no Senhor»; a celebração do sacramento
do matrimônio sem uma fé viva, mas por outros motivos; a recusa das normas
morais que guiam e promovem o exercício humano e cristão da sexualidade no matrimônio.
A nossa
época tem
necessidade de sabedoria
8. Põe-se
assim a toda a Igreja o dever de uma reflexão e de um empenho bastante
profundo, para que a nova cultura emergente seja intimamente evangelizada,
sejam reconhecidos os verdadeiros valores, sejam defendidos os direitos do
homem e da mulher e seja promovida a justiça também nas estruturas da
sociedade. Em tal modo o «novo humanismo» não afastará os homens da sua relação
com Deus, mas conduzi-los-á para Ele mais plenamente.
Na construção de
tal humanismo, a ciência e as suas aplicações técnicas oferecem novas e imensas
possibilidades. Todavia, a ciência, em consequência de posições políticas que
decidem a direcção de investigações e aplicações, é muitas vezes usada contra o
seu significado originário, a promoção da pessoa humana.
Torna-se,
portanto, necessário recuperar por par te de todos a consciência do primado dos
valores morais, que são os valores da pessoa humana como tal. A nova
compreensão do sentido último da vida e dos seus valores fundamentais é a
grande tarefa que se impõe hoje para a renovação da sociedade. Só a consciência
do primado destes valores consente um uso das imensas possibilidades colocadas
nas mãos do homem pela ciência, que vise verdadeiramente a promoção da pessoa
humana na sua verdade integral, na sua liberdade e dignidade. A ciência é
chamada a juntar-se à sabedoria.
Podem aplicar-se
aos problemas da família as palavras do Concílio Vaticano II: «Mais do que os
séculos passados, o nosso tempo precisa de uma tal sabedoria, para que se
humanizem as novas descobertas dos homens. Está ameaçado, com efeito, o destino
do mundo, se não surgirem homens cheios de sabedoria»(17).
A educação da
consciência moral, que faz o homem capaz de julgar e discernir os modos aptos
para a sua realização segundo a verdade originária, torna-se assim uma
exigência prioritária e irrenunciável.
É a aliança com
a sabedoria divina que deve ser mais profundamente reconstituída na cultura
moderna. De tal Sabedoria cada homem foi feito participante pelo mesmo gesto
criador de Deus. E é só na fidelidade a esta aliança que as famílias de hoje
estarão em grau de influenciar positivamente na construção de um mundo mais
justo e fraterno.
Gradualidade
e conversão
9.Todos
devemos opor-nos com uma conversão da mente e do coração, seguindo a Cristo
Crucificado, no dizer não ao próprio egoísmo, à injustiça originada pelo pecado
- profundamente penetrado também nas estruturas do mundo de hoje - e que muitas
vezes obsta a família na plena realização de si mesma e dos seus direitos
fundamentais. Uma semelhante conversão não poderá deixar de ter influência benéfica
e renovadora mesmo sobre as estruturas da sociedade.
É pedida uma
conversão contínua, permanente, que, embora exigindo o afastamento interior de
todo o mal e a adesão ao bem na sua plenitude, se actua concretamente em passos
que conduzem sempre para além dela. Desenvolve-se assim um processo dinâmico,
que avança gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus e das
exigências do seu amor definitivo e absoluto em toda a vida pessoal e social do
homem. É, por isso, necessário um caminho pedagógico de crescimento, a fim de
que os fiéis, as famílias e os povos, antes, a própria civilização, daquilo que
já receberam do Mistério de Cristo, possam ser conduzidos pacientemente mais
além, atingindo um conhecimento mais rico e uma integração mais plena deste
mistério na sua vida.
«Inculturação»
10. É de fato
conforme à tradição constante da Igreja recolher das culturas dos povos tudo
aquilo que é em grau de exprimir melhor as inexauríveis riquezas de Cristo(18). Só com o concurso de todas as
culturas, tais riquezas poderão manifestar-se sempre mais claramente e a Igreja
poderá caminhar para um conhecimento cada dia mais completo e aprofundado da
verdade, que já lhe foi inteiramente oferecida pelo seu Senhor.
Tendo firme o
duplo princípio da compatibilidade das várias culturas a assumir com o
Evangelho e da comunhão com a Igreja universal, deverá prosseguir-se no estudo
- particularmente por parte das Conferências episcopais e dos Dicastérios
competentes da Cúria Romana - e no empenhamento pastoral para que esta
«inculturação» da fé cristã se realize sempre mais amplamente também no âmbito
do matrimônio e da família.
É mediante a
«inculturação» que se caminha para a reconstituição plena da aliança com a
Sabedoria de Deus, que é o próprio Cristo. A Igreja inteira será enriquecida
também por aquelas culturas que, embora carentes de tecnologia, são ricas em
sabedoria humana e vivificadas por profundos valores morais.
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