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12 de julho de 2013

On sexta-feira, julho 12, 2013 by Pe. Lucione Queiroz
continuação e conclusão da primeira parte do documento.


PRIMEIRA PARTE 
LUZES E SOMBRAS DA FAMÍLIA DE HOJE


A situação da família no mundo de hoje
6.A situação em que se encontra a família apresenta aspectos positivos e aspectos negativos: sinal, naqueles, da salvação de Cristo operante no mundo; sinal, nestes, da recusa que o homem faz ao amor de Deus.
Por um lado, de fato, existe uma consciência mais viva da liberdade pessoal e uma maior atenção à qualidade das relações interpessoais no matrimônio, à promoção da dignidade da mulher, à procriação responsável, à educação dos filhos; há, além disso, a consciência da necessidade de que se desenvolvam relações entre as famílias por uma ajuda recíproca espiritual e material, a descoberta de novo da missão eclesial própria da família e da sua responsabilidade na construção de uma sociedade mais justa. Por outro lado, contudo, não faltam sinais de degradação preocupante de alguns valores fundamentais: uma errada concepção teórica e prática da independência dos cônjuges entre si; as graves ambiguidades acerca da relação de autoridade entre pais e filhos; as dificuldades concretas, que a família muitas vezes experimenta na transmissão dos valores; o número crescente dos divórcios; a praga do aborto; o recurso cada vez mais frequente à esterilização; a instauração de uma verdadeira e própria mentalidade contraceptiva.
Na raiz destes fenômenos negativos está muitas vezes uma corrupção da ideia e da experiência de liberdade concebida não como capacidade de realizar a verdade do projecto de Deus sobre o matrimônio e a família, mas como força autónoma de afirmação, não raramente contra os outros, para o próprio bem-estar egoístico.
Merece também a nossa atenção o fato de que, nos países do assim chamado Terceiro Mundo, faltem muitas vezes às famílias quer os meios fundamentais para a sobrevivência, como o alimento, o trabalho, a habitação, os medicamentos, quer as mais elementares liberdades. Nos países mais ricos, pelo contrário, o bem-estar excessivo e a mentalidade consumística, paradoxalmente unida a uma certa angústia e incerteza sobre o futuro, roubam aos esposos a generosidade e a coragem de suscitarem novas vidas humanas: assim a vida é muitas vezes entendida não como uma bênção, mas como um perigo de que é preciso defender-se.
A situação histórica em que vive a família apresenta-se, portanto, como um conjunto de luzes e sombras.
Isto revela que a história não é simplesmente um progresso necessário para o melhor, mas antes um acontecimento de liberdade, e ainda um combate entre liberdades que se opõem entre si; segundo a conhecida expressão de Santo Agostinho, um conflito entre dois amores: o amor de Deus impelido até ao desprezo de si, e o amor de si impelido até ao desprezo de Deus(16).
Segue-se que só a educação para o amor, radicada na fé, pode levar a adquirir a capacidade de interpretar «os sinais dos tempos», que são a expressão histórica deste duplo amor.
O influxo da situação na consciência dos fiéis
7.  Vivendo em tal mundo, sob pressões derivadas sobretudo dos mass-media, nem sempre os fiéis souberam e sabem manter-se imunes diante do obscurecimento dos valores fundamentais e pôr-se como consciência crítica desta cultura familiar e como sujeitos activos da construção de um humanismo familiar autêntico.
Entre os sinais mais preocupantes deste fenômeno, os Padres Sinodais sublinharam, em particular, o difundir-se do divórcio e do recurso a uma nova união por parte dos mesmos fiéis; a aceitação do matrimônio meramente civil, em contradição com a vocação dos baptizados «a casarem-se no Senhor»; a celebração do sacramento do matrimônio sem uma fé viva, mas por outros motivos; a recusa das normas morais que guiam e promovem o exercício humano e cristão da sexualidade no matrimônio.
A nossa época tem necessidade de sabedoria
 8. Põe-se assim a toda a Igreja o dever de uma reflexão e de um empenho bastante profundo, para que a nova cultura emergente seja intimamente evangelizada, sejam reconhecidos os verdadeiros valores, sejam defendidos os direitos do homem e da mulher e seja promovida a justiça também nas estruturas da sociedade. Em tal modo o «novo humanismo» não afastará os homens da sua relação com Deus, mas conduzi-los-á para Ele mais plenamente.
Na construção de tal humanismo, a ciência e as suas aplicações técnicas oferecem novas e imensas possibilidades. Todavia, a ciência, em consequência de posições políticas que decidem a direcção de investigações e aplicações, é muitas vezes usada contra o seu significado originário, a promoção da pessoa humana.
Torna-se, portanto, necessário recuperar por par te de todos a consciência do primado dos valores morais, que são os valores da pessoa humana como tal. A nova compreensão do sentido último da vida e dos seus valores fundamentais é a grande tarefa que se impõe hoje para a renovação da sociedade. Só a consciência do primado destes valores consente um uso das imensas possibilidades colocadas nas mãos do homem pela ciência, que vise verdadeiramente a promoção da pessoa humana na sua verdade integral, na sua liberdade e dignidade. A ciência é chamada a juntar-se à sabedoria.
Podem aplicar-se aos problemas da família as palavras do Concílio Vaticano II: «Mais do que os séculos passados, o nosso tempo precisa de uma tal sabedoria, para que se humanizem as novas descobertas dos homens. Está ameaçado, com efeito, o destino do mundo, se não surgirem homens cheios de sabedoria»(17).
A educação da consciência moral, que faz o homem capaz de julgar e discernir os modos aptos para a sua realização segundo a verdade originária, torna-se assim uma exigência prioritária e irrenunciável.
É a aliança com a sabedoria divina que deve ser mais profundamente reconstituída na cultura moderna. De tal Sabedoria cada homem foi feito participante pelo mesmo gesto criador de Deus. E é só na fidelidade a esta aliança que as famílias de hoje estarão em grau de influenciar positivamente na construção de um mundo mais justo e fraterno.
Gradualidade e conversão
 9.Todos devemos opor-nos com uma conversão da mente e do coração, seguindo a Cristo Crucificado, no dizer não ao próprio egoísmo, à injustiça originada pelo pecado - profundamente penetrado também nas estruturas do mundo de hoje - e que muitas vezes obsta a família na plena realização de si mesma e dos seus direitos fundamentais. Uma semelhante conversão não poderá deixar de ter influência benéfica e renovadora mesmo sobre as estruturas da sociedade.
É pedida uma conversão contínua, permanente, que, embora exigindo o afastamento interior de todo o mal e a adesão ao bem na sua plenitude, se actua concretamente em passos que conduzem sempre para além dela. Desenvolve-se assim um processo dinâmico, que avança gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus e das exigências do seu amor definitivo e absoluto em toda a vida pessoal e social do homem. É, por isso, necessário um caminho pedagógico de crescimento, a fim de que os fiéis, as famílias e os povos, antes, a própria civilização, daquilo que já receberam do Mistério de Cristo, possam ser conduzidos pacientemente mais além, atingindo um conhecimento mais rico e uma integração mais plena deste mistério na sua vida.
«Inculturação» 
10.  É de fato conforme à tradição constante da Igreja recolher das culturas dos povos tudo aquilo que é em grau de exprimir melhor as inexauríveis riquezas de Cristo(18). Só com o concurso de todas as culturas, tais riquezas poderão manifestar-se sempre mais claramente e a Igreja poderá caminhar para um conhecimento cada dia mais completo e aprofundado da verdade, que já lhe foi inteiramente oferecida pelo seu Senhor.
Tendo firme o duplo princípio da compatibilidade das várias culturas a assumir com o Evangelho e da comunhão com a Igreja universal, deverá prosseguir-se no estudo - particularmente por parte das Conferências episcopais e dos Dicastérios competentes da Cúria Romana - e no empenhamento pastoral para que esta «inculturação» da fé cristã se realize sempre mais amplamente também no âmbito do matrimônio e da família.
É mediante a «inculturação» que se caminha para a reconstituição plena da aliança com a Sabedoria de Deus, que é o próprio Cristo. A Igreja inteira será enriquecida também por aquelas culturas que, embora carentes de tecnologia, são ricas em sabedoria humana e vivificadas por profundos valores morais.
Para que seja clara a meta deste caminho e, por conseguinte, seguramente indicada a estrada, o Sínodo, em primeiro lugar e em profundidade considerou justamente o projecto originário de Deus acerca do matrimônio e da família: quis «retornar ao princípio» em obséquio ao ensinamento de Cristo(19).