27 de novembro de 2012
On terça-feira, novembro 27, 2012 by Pe. Lucione Queiroz Sem comentário
Entrevista com Pe. Luiz Roberto Benedetti, no Instituto
Humanitas Unisinos:
6/9/2009
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Novas comunidades católicas: “tradução” mais visível da influência das
mudanças sociais sobre a religião. Entrevista especial com Luiz Benedetti
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O atual cenário religioso brasileiro
não inspira nenhuma renovação, na visão do padre e filósofo Luiz Roberto
Benedetti. Mas, esclarece ele, “talvez ajude a Igreja a tomar consciência
de que sua palavra perde a aura de sacralidade e de autoridade impositiva de
que gozava, uma vez que – e aqui lembro a Evangelii Nuntiandi de Paulo
VI – este mundo aceita as testemunhas mais do que os mestres. Estes são
vistos como necessários, pois ‘delimitam’ um campo de verdade e moralidade
(psicologicamente saudável), mas isso não significa que as pessoas se guiem
por eles”. Benedetti concedeu a entrevista a seguir, por e-mail, para a IHU
On-Line, onde afirma que “o catolicismo, no Brasil, sofre as
consequências da mudança social acelerada. Mudança caracterizada, no caso
religioso, pelo pluralismo religioso”. E assim descreve o panorama atual do
catolicismo: “a incapacidade de compreender as mudanças sociais cada vez mais
rápidas e profundas leva a Igreja a propor-se como única tábua de salvação.
Só ela tem o remédio para todos os males. Os fora dela estão inseguros,
perdidos, desenraizados. Esta visão impede de ver os problemas reais
experimentados pela grande massa. Por outro lado, pode-se visar no
pontificado de Bento XVI uma espécie de catolicismo de minoria;
simplificando: poucos, mas bons. Não significa buscar um catolicismo de
elite, mas sim cristãos conscientes da própria fé, capazes de lutar por seus
direitos de participação na vida da Igreja, co-responsáveis, presentes nos
embates sociais e políticos. Não acredito na volta de um catolicismo fundado
em manifestações massivas, que se esgotam em si mesmas. São psicologicamente
reconfortantes, mas não representam um caminho para uma presença expressiva
da Igreja no mundo”.
Benedetti possui graduação em
Filosofia pelo Instituto Camiliano Pio XII, graduação em Filosofia pela
Universidade de São Paulo, graduação em Teologia pela Conferência Nacional
dos Religiosos, mestrado em Sociologia pela Universidade de São Paulo e
doutorado
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como entender a
renovação e a ebulição atual do catolicismo? Quais as causas que originaram o
panorama católico atual?
Luiz Roberto Benedetti - A Igreja Católica vive, sim, um
momento de ebulição. Nos anos 1980, o teólogo José Comblin dizia,
contrariando o então Cardeal Ratzinger, que falava de frutos amargos do
Concílio, que se não tivesse acontecido o Vaticano II a Igreja talvez já
tivesse desaparecido. Não foi uma frase de efeito. Na realidade, o que
acontece é que tudo o que houve durante e depois do Concílio preparou a
Igreja, até certo ponto, para enfrentar as mudanças que se aceleravam cada
vez mais. Independentemente de se aceitar ou não a pós-modernidade como etapa
ou crítica da modernidade, o fato é que esta atinge todas as esferas da vida
social. Literalmente põe em questão a forma de estar no mundo por parte das
igrejas, não apenas a católica. Todas. Mesmo as oriundas historicamente da
Reforma – que pode ser vista como a primeira “etapa” da Revolução Burguesa –
não escapam ao desafio de recolocar-se no mundo atual. Sem o Concílio não
estaríamos minimamente preparados para enfrentar os desafios éticos que as
mudanças sociais colocam ao pensamento e ação dos cristãos. O clima de
liberdade nos tempos de João XXIII e Paulo VI “prepararam”, até certo ponto,
a Igreja Católica para enfrentar os desafios da realidade atual. Há muito de
ingenuidade e, sobretudo, de má fé atribuir a eles os problemas vividos pela Igreja.
Agora, não sei se é possível falar de renovação. O papado altamente
centralizador de João Paulo II combinou um forte apelo emocional-midiático
com rigidez e controle exacerbado sobre a liberdade que o teólogo precisa
para “pensar” a fé à luz da mudança histórica, restabeleceu a ligação direta
bispos-burocracia romana (deixando em segundo plano, quando não ignorando, as
conferências episcopais); na nomeação destes pensou mais na docilidade que na
lucidez, inteligência e sabedoria (capacidade de discernimento). A impressão
que se tem é que Bento XVI tem consciência da situação que herdou e busca
remédios. Mas, mesmo em seus momentos mais felizes, carrega o fardo de
inquisidor.
IHU On-Line - Em que sentido as
religiões emergentes servem de inspiração para o catolicismo na atual disputa
por espaço e prestígio social no cenário religioso brasileiro?
Luiz Roberto Benedetti - Não sei se há
religiões emergentes, no sentido clássico atribuído à palavra religião como
sistema articulado de idéias, ritos e normas morais, capaz de dar um sentido
ao mundo como realidade construída. Há mais um estado de espírito, de cor
religiosa, difuso, altamente subjetivo. A subjetividade, exacerbada pelo
fluxo de imagens e informações, combina elementos de tradições opostas e o
faz seguindo modas, ou seja, o mix religioso psicológico tem duração efêmera.
Poucos falam hoje da Nova Era, por exemplo. Mais ainda, se olharmos o
“prestígio” da auto-ajuda, salpicada de conselhos edificantes tirados das
religiões e totalmente fora de contexto, os romances de cunho religioso
vendendo aos montes (A Cabana, por exemplo), fica evidente que podemos falar
mais de religiosidade fluida, dispersa, do que de religiões. E mais: quando a
religião se torna questão de defesa do consumidor (vai parar no PROCON),
levada para os bancos dos réus, tudo isso é sintoma de uma mudança radical.
Claro que a situação sumariamente esboçada não inspira nenhuma renovação. Mas
talvez ajude a Igreja a tomar consciência de que sua palavra perde a aura de
sacralidade e de autoridade impositiva de que gozava, uma vez que – e aqui
lembro a Evangelii Nuntiandi de Paulo VI – este mundo aceita as testemunhas
mais do que os mestres. Estes são vistos como necessários, pois “delimitam”
um campo de verdade e moralidade (psicologicamente saudável), mas isso não
significa que as pessoas se guiem por eles.
IHU On-Line - Como o senhor
caracteriza, de modo geral, o catolicismo no Brasil? Em que consiste o dilema
entre “apelo à massa” e comportamento reservado; ou “cristianismo de massa” e
de minoria?
Luiz Roberto Benedetti - Há que olhar,
primeiramente, os números do Censo. Numericamente há uma queda expressiva e
crescente. Fato normal, uma vez que qualquer situação de pluralismo e
diversidade religiosas, como a que vivemos, sempre provoca evasão da religião
dominante ou hegemônica. O catolicismo, no Brasil, sofre as consequências da
mudança social acelerada. Mudança caracterizada, no caso religioso, pelo
pluralismo religioso. O aumento crescente de grupos religiosos que oferecem
toda sorte de soluções para problemas da desigualdade social violenta pode
levar a Igreja a cair na mesma tentação. Mais a tentação de embarcar no
catolicismo midiático, um meio de atuar que atinge os que já são fiéis,
altamente oneroso do ponto de vista financeiro. Ao invés de concentrar
esforços numa emissora de qualidade, que tenha credibilidade, investem-se
recursos em canais que acabam disputando, entre si, na transmissão de uma
mensagem que, no limite, pouco contribui para dar solidez ao testemunho da fé
no mundo urbano. A tentação de cair numa religiosidade intimista, de cunho
emocional, somada à rigidez moral e ao devocionismo. A geração do Vaticano II
sai de cena. Enfrentamos o problema de nomeações episcopais e a falta de
abertura a novas formas de exercício dos ministérios ordenados. A
incapacidade de compreender as mudanças sociais cada vez mais rápidas e
profundas leva a Igreja a propor-se como única tábua de salvação. Só ela tem
o remédio para todos os males. Os fora dela estão inseguros, perdidos, desenraizados.
Esta visão impede de ver os problemas reais experimentados pela grande massa.
Por outro lado, pode-se visar no pontificado de Bento XVI uma espécie de
catolicismo de minoria; simplificando: poucos, mas bons. Não significa buscar
um catolicismo de elite, mas sim cristãos conscientes da própria fé, capazes
de lutar por seus direitos de participação na vida da Igreja,
co-responsáveis, presentes nos embates sociais e políticos. Não acredito na
volta de um catolicismo fundado em manifestações massivas, que se esgotam em
si mesmas. São psicologicamente reconfortantes, mas não representam um
caminho para uma presença expressiva da Igreja no mundo.
IHU On-Line - Qual a importância das
comunidades católicas para manter viva a chama do catolicismo e para
fortalecer a capacidade profética da Igreja?
Luiz Roberto Benedetti - As comunidades
de vida não são um fenômeno novo na História. As ordens e congregações
religiosas, surgindo quase sempre às margens da instituição, representaram
papel semelhante. Guiadas pelo carisma do fundador, passaram do entusiasmo
inicial, renovador, assumindo tarefas sociais relevantes do momento, a uma
acomodação e burocratização institucional que domesticou a energia fundante e
a pôs a serviço da instituição. A visão de Weber cabe aqui: a domesticação do
carisma. De movimento a instituição. O movimento carismático já está
incorporado à vida da instituição. Burocratizado e tem sua “continuidade” nas
comunidades de vida. Se elas podem fortalecer a missão profética da Igreja?
Bem, não dá para responder em cima dos fatos, no calor da hora. É cedo. Se
tem um papel “profético” é o de abrir a instituição para levar mais a sério a
subjetividade e a liberdade de escolha do homem moderno. Ele não tolera ser
um a mais. Gosta do anonimato, mas anonimato “escolhido”. As relações
significativas ele as escolhe. Serem proféticas as comunidades no sentido de
renovar a vida da Igreja, a sua forma de presença na sociedade, não vejo que
possam a vir desempenhar esse papel. Mesmo porque há várias formas de
comunidade: as que valorizam a emoção, aquelas que somam devocionismo,
emoção, rigidez moral e atendimento aos sofredores (o caso exemplar é o da
Toca de Assis). Na sua diversidade têm um ponto em comum: uma leitura
fundamentalista da Palavra de Deus e do magistério, sobretudo nas normas
morais referentes à sexualidade. Talvez possam ser “proféticas” no sentido de
não aderir ao relativismo reinante.
IHU On-Line - Os novos grupos e
comunidades católicas buscam uma renovação dentro da Igreja ou continuam
reiterando as mesmas verdades proferidas ao longo de vinte séculos? Manter-se
“copiando” o passado pode ser um atrativo inclusive para os jovens?
Luiz Roberto Benedetti - Sim, buscam a
renovação, mas à sua maneira. Representam a cultura moderna na valorização da
performance, da emoção; outras questionam, mas caem no descrédito: por
exemplo, ser franciscano não significa vestir-se como São Francisco, andar
descalço ou cortar o cabelo como na Idade Média. Será que isso renova a
Igreja, atrai os jovens? Ou não serão outras razões mais ligadas à situação
cultural e socioeconômica que explicam a atração que exercem?
IHU On-Line - O que o senhor entende
pelo “diálogo de surdos” entre a Igreja e seus membros? As novas comunidades
católicas podem contribuir para a melhora deste diálogo?
Luiz Roberto Benedetti - Há uma distância
crescente entre as aspirações e os problemas vividos pelos homens e mulheres
contemporâneos e a postura da Igreja. Ao propor-se como tábua de salvação
para todos os males e considerar erro e desvio tudo o que não se coloca na
sua perspectiva impede um diálogo, adulto, livre e responsável com o mundo.
Mesmo dentro da Igreja, as aspirações dos fiéis não são levadas
IHU On-Line - Quais as influências do
Concílio Vaticano II para o fortalecimento das novas comunidades católicas?
Luiz Roberto Benedetti - As novas comunidades não
constituem meu campo de pesquisa. Procuro acompanhar a literatura sobre o
assunto. Digo isso porque vejo nelas a “tradução” mais visível da influência
das mudanças sociais sobre a religião. Sua uniformidade – adesão
incondicional à letra da Bíblia e do magistério eclesiástico – e a
diversidade interna são aspectos de uma realidade social que afeta
diretamente vida religiosa. De um lado, o pluralismo ético e religioso e o
individualismo levam pessoas a buscarem grupos que lhe dêem segurança. A
comunidade representa segurança e a leitura da vida da fé em termos de
verdade pronta garante identidade. Não há contradição entre o vale-tudo
religioso e o fundamentalismo. O segundo aparece como forma de reação pessoal
e institucional a uma situação que um sociólogo do porte de Berger define
como caos (Durkheim diria anomia). Não vejo como o Vaticano II possa ter
influenciado as novas comunidades. Elas brotam de movimentos religiosos, do
tipo renovação carismática, e sua raiz está sempre na mudança social.
IHU On-Line - Em que medida as novas
comunidades católicas contribuem para que a Igreja possa se pensar na própria
história?
Luiz Roberto Benedetti - A meu ver sua
adesão incondicional a uma instituição – no caso a Igreja – permite entender
as contradições e impasses que ela enfrenta. Permite compreender os limites
das imposições eclesiásticas de caráter burocrático. Pode levar à descoberta
de que no mundo de hoje “se flutua”, se navega e a Igreja descobre que não
tem mais o controle sobre seu próprio discurso. Ele é apropriado por todas as
instâncias sociais, de modo especial a mídia, que o interpreta num paradigma
antropo-político. Dizer, por exemplo, que não se deve ordenar mulheres é
norma da Igreja e aceita quem quer (liberdade de escolha). Isso pode dizer a
instituição eclesiástica. Mas a “verdade” do mundo está em outro lugar.
Objetivamente essa norma não é vista como desígnio de Deus para sua
comunidade. É, sim, fruto de uma discriminação da mulher, herança da tradição
patriarcal-machista. Mais ainda, vista como atitude preconceituosa fere os
direitos humanos básicos. Bem, então se alega liberdade religiosa. O lugar
social da Igreja e da religião mudou.
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