6 de fevereiro de 2014
On quinta-feira, fevereiro 06, 2014 by Paróquia N. Senhora da Piedade - Coreaú - CE in papa
«Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3)
Cidade do Vaticano, (Zenit.org)
«Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3)
Queridos jovens,
Permanece gravado na minha memória o encontro extraordinário que
vivemos no Rio de Janeiro, na XXVIII Jornada Mundial da Juventude: uma
grande festa da fé e da fraternidade. A boa gente brasileira acolheu-nos
de braços escancarados, como a estátua de Cristo Redentor que domina,
do alto do Corcovado, o magnífico cenário da praia de
Copacabana. Nas margens do mar, Jesus fez ouvir de novo a sua chamada
para que cada um de nós se torne seu discípulo missionário, O descubra
como o tesouro mais precioso da própria vida e partilhe esta riqueza com
os outros, próximos e distantes, até às extremas periferias geográficas
e existenciais do nosso tempo.
A próxima etapa da peregrinação intercontinental dos jovens será em
Cracóvia, em 2016. Para cadenciar o nosso caminho, gostaria nos próximos
três anos de reflectir, juntamente convosco, sobre as Bem-aventuranças
que lemos no Evangelho de São Mateus (5, 1-12). Começaremos este ano
meditando sobre a primeira: «Felizes os pobres em espírito, porque deles
é o Reino do Céu» (Mt 5, 3); para 2015, proponho: «Felizes os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5, 8); e finalmente, em 2016, o tema será: «Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7).
1. A força revolucionária das Bem-aventuranças
É-nos sempre muito útil ler e meditar as Bem-aventuranças! Jesus
proclamou-as no seu primeiro grande sermão, feito na margem do lago da
Galileia. Havia uma multidão imensa e Ele, para ensinar os seus
discípulos, subiu a um monte; por isso é chamado o «sermão da montanha».
Na Bíblia, o monte é visto como lugar onde Deus Se revela; pregando
sobre o monte, Jesus apresenta-Se como mestre divino, como novo Moisés. E
que prega Ele? Jesus prega o caminho da vida; aquele caminho que Ele
mesmo percorre, ou melhor, que é Ele mesmo, e propõe-no como caminho da verdadeira felicidade.
Em toda a sua vida, desde o nascimento na gruta de Belém até à morte na
cruz e à ressurreição, Jesus encarnou as Bem-aventuranças. Todas as
promessas do Reino de Deus se cumpriram n’Ele.
Ao proclamar as Bem-aventuranças, Jesus convida-nos a segui-Lo, a
percorrer com Ele o caminho do amor, o único que conduz à vida eterna.
Não é uma estrada fácil, mas o Senhor assegura-nos a sua graça e nunca
nos deixa sozinhos. Na nossa vida, há pobreza, aflições, humilhações,
luta pela justiça, esforço da conversão quotidiana, combates para viver a
vocação à santidade, perseguições e muitos outros desafios. Mas, se
abrirmos a porta a Jesus, se deixarmos que Ele esteja dentro da nossa
história, se partilharmos com Ele as alegrias e os sofrimentos,
experimentaremos uma paz e uma alegria que só Deus, amor infinito, pode
dar.
As Bem-aventuranças de Jesus são portadoras duma novidade
revolucionária, dum modelo de felicidade oposto àquele que habitualmente
é transmitido pelos mass media, pelo pensamento dominante.
Para a mentalidade do mundo, é um escândalo que Deus tenha vindo para Se
fazer um de nós, que tenha morrido numa cruz. Na lógica deste mundo,
aqueles que Jesus proclama felizes são considerados «perdedores»,
fracos. Ao invés, exalta-se o sucesso a todo o custo, o bem-estar, a
arrogância do poder, a afirmação própria em detrimento dos outros.
Queridos jovens, Jesus interpela-nos para que respondamos à sua
proposta de vida, para que decidamos qual estrada queremos seguir a fim
de chegar à verdadeira alegria. Trata-se dum grande desafio de fé. Jesus
não teve medo de perguntar aos seus discípulos se verdadeiramente
queriam segui-Lo ou preferiam ir por outros caminhos (cf. Jo 6, 67). E Simão, denominado Pedro, teve a coragem de responder: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna» (Jo 6, 68). Se souberdes, vós também, dizer «sim» a Jesus, a vossa vida jovem encher-se-á de significado, e assim será fecunda.
2. A coragem da felicidade
O termo grego usado no Evangelho é makarioi,
«bem-aventurados». E «bem-aventurados» quer dizer felizes. Mas dizei-me:
vós aspirais deveras à felicidade? Num tempo em que se é atraído por
tantas aparências de felicidade, corre-se o risco de contentar-se com
pouco, com uma ideia «pequena» da vida. Vós, pelo contrário, aspirai a
coisas grandes! Ampliai os vossos corações! Como dizia o Beato Pierjorge
Frassati, «viver sem uma fé, sem um património a defender, sem
sustentar numa luta contínua a verdade, não é viver, mas ir vivendo. Não
devemos jamais ir vivendo, mas viver» (Carta a I. Bonini, 27
de Fevereiro de 1925). Em 20 de Maio de 1990, no dia da sua
beatificação, João Paulo II chamou-lhe «homem das Bem-aventuranças»
(Homilia na Santa Missa:AAS 82 [1990], 1518).
Se verdadeiramente fizerdes emergir as aspirações mais profundas do
vosso coração, dar-vos-eis conta de que, em vós, há um desejo
inextinguível de felicidade, e isto permitir-vos-á desmascarar e
rejeitar as numerosas ofertas «a baixo preço» que encontrais ao vosso
redor. Quando procuramos o sucesso, o prazer, a riqueza de modo egoísta e
idolatrando-os, podemos experimentar também momentos de inebriamento,
uma falsa sensação de satisfação; mas, no fim de contas, tornamo-nos
escravos, nunca estamos satisfeitos, sentimo-nos impelidos a buscar
sempre mais. É muito triste ver uma juventude «saciada», mas fraca.
Escrevendo aos jovens, São João dizia: «Vós sois fortes, a palavra de Deus permanece em vós e vós vencestes o Maligno» (1 Jo2,
14). Os jovens que escolhem Cristo são fortes, nutrem-se da sua Palavra
e não se «empanturram» com outras coisas. Tende a coragem de ir contra a
corrente. Tende a coragem da verdadeira felicidade! Dizei não à cultura
do provisório, da superficialidade e do descartável, que não vos
considera capazes de assumir responsabilidades e enfrentar os grandes
desafios da vida.
3. Felizes os pobres em espírito…
A primeira Bem-aventurança, tema da próxima Jornada Mundial da Juventude, declara felizes os pobres em espírito,
porque deles é o Reino do Céu. Num tempo em que muitas pessoas penam
por causa da crise económica, pode parecer inoportuno acostar pobreza e
felicidade. Em que sentido podemos conceber a pobreza como uma bênção?
Em primeiro lugar, procuremos compreender o que significa «pobres em espírito».
Quando o Filho de Deus Se fez homem, escolheu um caminho de pobreza, de
despojamento. Como diz São Paulo, na Carta aos Filipenses: «Tende entre
vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus: Ele, que é de
condição divina, não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; no
entanto, esvaziou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo e
tornando-Se semelhante aos homens» (2, 5-7). Jesus é Deus que Se despoja
da sua glória. Vemos aqui a escolha da pobreza feita por Deus: sendo
rico, fez-Se pobre para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8,
9). É o mistério que contemplamos no presépio, vendo o Filho de Deus
numa manjedoura; e mais tarde na cruz, onde o despojamento chega ao seu
ápice.
O adjectivo grego ptochós (pobre) não tem um significado apenas material, mas quer dizer «mendigo». Há que o ligar com o conceito hebraico de anawim (os «pobres de Iahweh»), que evoca humildade, consciência dos próprios limites, da própria condição existencial de pobreza. Os anawim confiam no Senhor, sabem que dependem d’Ele.
Como justamente soube ver Santa Teresa do Menino Jesus, Cristo na sua
Encarnação apresenta-Se como um mendigo, um necessitado em busca de
amor. O Catecismo da Igreja Católica fala do homem como dum «mendigo de Deus» (n. 2559) e diz-nos que a oração é o encontro da sede de Deus com a nossa (n. 2560).
São Francisco de Assis compreendeu muito bem o segredo da
Bem-aventurança dos pobres em espírito. De facto, quando Jesus lhe falou
na pessoa do leproso e no Crucifixo, ele reconheceu a grandeza de Deus e
a própria condição de humildade. Na sua oração, o Poverello passava
horas e horas a perguntar ao Senhor: «Quem és Tu? Quem sou eu?»
Despojou-se duma vida abastada e leviana, para desposar a «Senhora
Pobreza», a fim de imitar Jesus e seguir o Evangelho à letra. Francisco
viveu a imitação de Cristo pobre e o amor pelos pobres de modo indivisível, como as duas faces duma mesma moeda.
Posto isto, poder-me-íeis perguntar: Mas, em concreto, como é possível fazer com que esta pobreza em espírito se transforme em estilo de vida, incida concretamente na nossa existência? Respondo-vos em três pontos.
Antes de mais nada, procurai ser livres em relação às coisas.
O Senhor chama-nos a um estilo de vida evangélico caracterizado pela
sobriedade, chama-nos a não ceder à cultura do consumo. Trata-se de
buscar a essencialidade, aprender a despojarmo-nos de tantas coisas
supérfluas e inúteis que nos sufocam. Desprendamo-nos da ambição de
possuir, do dinheiro idolatrado e depois esbanjado. No primeiro lugar,
coloquemos Jesus. Ele pode libertar-nos das idolatrias que nos tornam
escravos. Confiai em Deus, queridos jovens! Ele conhece-nos, ama-nos e
nunca se esquece de nós. Como provê aos lírios do campo (cf. Mt 6,
28), também não deixará que nos falte nada! Mesmo para superar a crise
económica, é preciso estar prontos a mudar o estilo de vida, a evitar
tantos desperdícios. Como é necessária a coragem da felicidade, também é
precisa a coragem da sobriedade.
Em segundo lugar, para viver esta Bem-aventurança todos necessitamos de conversão em relação aos pobres.
Devemos cuidar deles, ser sensíveis às suas carências espirituais e
materiais. A vós, jovens, confio de modo particular a tarefa de colocar a
solidariedade no centro da cultura humana. Perante antigas e novas
formas de pobreza – o desemprego, a emigração, muitas dependências dos
mais variados tipos –, temos o dever de permanecer vigilantes e
conscientes, vencendo a tentação da indiferença. Pensemos também
naqueles que não se sentem amados, não olham com esperança o futuro,
renunciam a comprometer-se na vida porque se sentem desanimados,
desiludidos, temerosos. Devemos aprender a estar com os pobres. Não nos
limitemos a pronunciar belas palavras sobre os pobres! Mas
encontremo-los, fixemo-los olhos nos olhos, ouçamo-los. Para nós, os
pobres são uma oportunidade concreta de encontrar o próprio Cristo, de
tocar a sua carne sofredora.
Mas – e chegamos ao terceiro ponto – os pobres não são pessoas a quem podemos apenas dar qualquer coisa. Eles têm tanto para nos oferecer, para nos ensinar.
Muito temos nós a aprender da sabedoria dos pobres! Pensai que um Santo
do século XVIII, Bento José Labre – dormia pelas ruas de Roma e vivia
das esmolas da gente –, tornara-se conselheiro espiritual de muitas
pessoas, incluindo nobres e prelados. De certo modo, os pobres são uma
espécie de mestres para nós. Ensinam-nos que uma pessoa não vale por
aquilo que possui, pelo montante que tem na conta bancária. Um pobre,
uma pessoa sem bens materiais, conserva sempre a sua dignidade. Os
pobres podem ensinar-nos muito também sobre a humildade e a confiança em
Deus. Na parábola do fariseu e do publicano (cf. Lc 18, 9-14),
Jesus propõe este último como modelo, porque é humilde e se reconhece
pecador. E a própria viúva, que lança duas moedinhas no tesouro do
templo, é exemplo da generosidade de quem, mesmo tendo pouco ou nada, dá
tudo (Lc 21, 1-4).
4. … porque deles é o Reino do Céu
Tema central no Evangelho de Jesus é o Reino de Deus. Jesus é o Reino
de Deus em pessoa, é o Emanuel, Deus connosco. E é no coração do homem
que se estabelece e cresce o Reino, o domínio de Deus. O Reino é,
simultaneamente, dom e promessa. Já nos foi dado em Jesus, mas deve
ainda realizar-se em plenitude. Por isso rezamos ao Pai cada dia: «Venha
a nós o vosso Reino».
Há uma ligação profunda entre pobreza e evangelização, entre o tema
da última Jornada Mundial da Juventude – «Ide e fazei discípulos entre
todas as nações» (Mt 28, 19) – e o tema deste ano: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5,
3). O Senhor quer uma Igreja pobre, que evangelize os pobres. Jesus,
quando enviou os Doze em missão, disse-lhes: «Não possuais ouro, nem
prata, nem cobre, em vossos cintos; nem alforge para o caminho, nem duas
túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o trabalhador merece o seu
sustento» (Mt 10, 9-10). A pobreza evangélica é condição
fundamental para que o Reino de Deus se estenda. As alegrias mais belas e
espontâneas que vi ao longo da minha vida eram de pessoas pobres que
tinham pouco a que se agarrar. A evangelização, no nosso tempo, só será
possível por contágio de alegria.
Como vimos, a Bem-aventurança dos pobres em espírito orienta a nossa
relação com Deus, com os bens materiais e com os pobres. À vista do
exemplo e das palavras de Jesus, damo-nos conta da grande necessidade
que temos de conversão, de fazer com que a lógica do ser mais prevaleça sobre a lógica do ter mais.
Os Santos são quem mais nos pode ajudar a compreender o significado
profundo das Bem-aventuranças. Neste sentido, a canonização de João
Paulo II, no segundo domingo de Páscoa, é um acontecimento que enche o
nosso coração de alegria. Ele será o grande patrono das Jornadas
Mundiais da Juventude, de que foi o iniciador e impulsionador. E, na
comunhão dos Santos, continuará a ser, para todos vós, um pai e um
amigo.
No próximo mês de Abril, tem lugar também o trigésimo aniversário da
entrega aos jovens da Cruz do Jubileu da Redenção. Foi precisamente a
partir daquele acto simbólico de João Paulo II que principiou a grande
peregrinação juvenil que, desde então, continua a atravessar os cinco
continentes. Muitos recordam as palavras com que, no domingo de Páscoa
do ano 1984, o Papa acompanhou o seu gesto: «Caríssimos jovens, no termo
do Ano Santo, confio-vos o próprio sinal deste Ano Jubilar: a Cruz de
Cristo! Levai-a ao mundo como sinal do amor do Senhor Jesus pela
humanidade, e anunciai a todos que só em Cristo morto e ressuscitado há
salvação e redenção».
Queridos jovens, o Magnificat, o cântico de Maria, pobre em
espírito, é também o canto de quem vive as Bem-aventuranças. A alegria
do Evangelho brota dum coração pobre, que sabe exultar e maravilhar-se
com as obras de Deus, como o coração da Virgem, que todas as gerações
chamam «bem-aventurada» (cf. Lc 1, 48). Que Ela, a mãe dos
pobres e a estrela da nova evangelização, nos ajude a viver o Evangelho,
a encarnar as Bem-aventuranças na nossa vida, a ter a coragem da
felicidade.
Vaticano, 21 de Janeiro – Memória de Santa Inês, virgem e mártir - de 2014.FRANCISCO
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