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3 de fevereiro de 2014

On segunda-feira, fevereiro 03, 2014 by Paróquia N. Senhora da Piedade - Coreaú - CE

Análise de conjuntura no 13* Encontro Nacional das Comunidades Eclesiais de Base.

23/01/2014 - notícias - Criado por: Pe. Manfredo Araújo de Oliveira UFC




1) Chegamos de todo o Brasil com muita alegria para nosso encontro nacional de CEBs em Juazeiro do Norte. Por que começar nosso encontro desta forma? O Papa Francisco em sua primeira exortação sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual (n. 183) nos recorda uma de suas características que levada a sério tem enormes consequências para a presença dos cristãos no mundo: a proposta do Evangelho não consiste só em uma relação pessoal com Deus e também à resposta humana de amor não deve ser entendida como mera soma de gestos pessoais a favor de alguns indivíduos necessitados, mas se trata de amar a Deus que reina no mundo.

2)Ora, afirma o papa, à medida que Ele reina entre nós, nossa vida social se transforma: ela será um espaço de fraternidade, e justiça e paz, de dignidade para todos. Por esta razão, tanto o anúncio como a experiência cristã tendem a provocar consequências sociais e isto implica que ninguém pode exigir que se relegue a religião para a intimidade secreta das pessoas sem qualquer influência na vida social e nacional. Uma fé autêntica implica sempre um profundo desejo de mudar o mundo, de transmitir valores, de deixar a terra um pouco melhor depois de nossa passagem por ela.

3)Para realizar isto, diz o Papa, se faz necessário que as comunidades cristãs analisem a situação própria de seu país debruçando-se especialmente sobre os aspectos da realidade que afetam a vida e a dignidade do povo de Deus.

4)Para onde apontam as realidades que examinamos? O grande acontecimento do ano de 2013 foram as Manifestações de ruas, autônomas em relação a partidos e instituições, que tiveram o grande mérito de mostrar como as pessoas julgam o que está acontecendo entre nós e revelar uma profunda Insatisfação frente a isto. Por isto elas tiveram a força de pôr o país diante de questionamentos fundamentais (reposição de valores, mais direitos, mais república, mais democracia), de mudar as relações do governo para com os movimentos sociais e alterar a agenda de debates apontando para os limites fundamentais da democracia representativa, do sistema eleitoral, da ação da polícia, das atividades da grande mídia e para enormes problemas que ainda revelam que grande parte da população continua um “Povo sem Direitos”, sem acesso ou com acesso restrito a serviços como saúde, educação saneamento, moradia, transporte público e segurança.

5)Quando se caracteriza o que vem ocorrendo no Brasil e o que  nos fez a grande vitrine do que vem acontecendo na América Latina normalmente se afirma que o país está fazendo um Acerto de Contas com seu passado de profundas desigualdades na medida em que efetiva com sucesso um Modelo de Desenvolvimento que combina crescimento e inclusão social. É esse modelo que explicaria os avanços consideráveis no nível social, econômico e político. O modelo de fato considera o crescimento econômico (que tem sido baixo) a condição insubstituível para a consecução da inclusão social. Para atingir esse objetivo, tido como a meta que deve reger toda a ação governamental, adotou-se o modelo de crescimento típico da Segunda Revolução Industrial, produtivista e consumista da economia de mercado na busca de um crescimento ilimitado sem consciência efetiva dos limites dos recursos naturais.

6) Neste horizonte se justificam fortes investimentos em matrizes energéticas altamente poluidoras, desvatadoras do meio ambiente e mesmo altamente questionáveis como a energia nuclear que ainda persiste como meta, financiamentos da exploração de madeiras e minérios, expansão da pecuária e das monoculturas da soja e da cana de açúcar, portanto, da expansão das commodities que exercem grande pressão sobre os recursos naturais e têm provocado uma reprimarização da economia brasileira refletida claramente na pauta de exportações. Um elemento fundamental desse projeto é a ideia de que o Estado deve ser o Indutor do Crescimento, mas não o seu gestor o que significa que o Estado financia os recursos necessários e depois entrega o ativo ao capital privado como se vê no caso das concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.

7) O outro lado da medalha é a Inclusão Social: o modelo erradicaria a  miséria e a pobreza, levando milhões de pessoas a padrões de consumo da classe média sem prejuízo para os interesses dos setores dominantes. O elemento novo estaria na combinação exitosa entre o social e o econômico que desmascarou a convicção hegemônica de que não seria possível associar políticas de inclusão social, de distribuição de renda ao crescimento econômico e isso num regime democrático. Foi isto que levou o Ipea a declarar a última década como a “Década da Inclusão” e  se mostra no fato de que entre 2001 e 2011 a renda per capita dos 10% mais pobres subiu 91,2% enquanto a dos 10% mais ricos 16,6% o que está associado aos programas de transferência de renda e ao aquecimento do mercado de trabalho, ao aumento real do salário mínimo, ao Bolsa Família, à forte redução do desemprego, recentemente ao programa Mais Médico.                   
8) No entanto, esta inclusão social via consumo não foi capaz de eliminar as grandes questões que nos marcam historicamente e os gigantescos cinturões de miséria em todo o país. Talvez a Questão Agrária seja a instância em que essa situação se revela com mais clareza: 4 milhões de famílias pobres do campo recebem Bolsa Família para não passar fome, 150 mil famílias de trabalhadores sem terra estão acampadas, vivendo debaixo de lonas, lutando pelo direito de ter terra para viver e são decepcionantes os indicadores da Reforma Agrária. Milhões de trabalhadores assalariados rurais são submetidos a todo tipo de exploração. No Brasil de hoje, a estrutura do mundo agrário foi submetida ao grande projeto de Desenvolvimento do Agronegócio que se ufana de ser a grande empresa agrícola à altura do desenvolvimento tecnológico atual e voltada para a competição num mundo globalizado. Sua eficiência nesta perspectiva é inegável, como também seu êxito em desempregar cada vez mais pessoas, substituir o ser humano por máquinas e destruir a natureza. O agronegócio é o grande aliado do governo no campo (90% dos recursos para o agronegócio 10% para a agricultura familiar), pois o modelo de desenvolvimento em curso é altamente dependente da exploração de matérias-primas, agrícolas e minerais, para a exportação.

9) Algumas questões manifestam o rosto do que importa para este modelo. Para onde vão prioritariamente os recursos do país? Por volta de 45% para pagamento de juros, amortização e rolagem da dívida, 5% para saúde e 3% para a educação. As grandes reformas estruturais nas estruturas geradoras de desigualdade não foram feitas, mas o foram as que atendem que aos interesses do capital como por exemplo a reforma da previdência do setor público. Os povos indígenas aparecem como pedra no caminho do agronegócio, dos megaprojetos de infraestrutura e das grandes mineradoras. Eles  são agora objeto de uma ofensiva sistemática que ameaça não só seus territórios, mas sua própria integridade física. A bancada ruralista joga pesado e barganha junto ao governo. O sistema tributário continua com o grande reprodutor da desigualdade social. A política energética  do governo federal se constitui basicamente de três elementos: 1) Subordinação da questão ecológica ao mito do crescimento econômico ilimitado; 2) Geração de energia para a produção de commodities de exportação; 3) Matriz energética oligopólica, concentradora, com enormes impactos sociais e ambientais mesmo quando sabemos que podemos dispor de alternativas mais limpas e eficientes. Continua forte no país a política de apropriação do que é público para a consecução de interesses privados.

10) Vozes se têm levantado não no sentido de ignorar as conquistas alcançadas, mas de chamar atenção em primeiro lugar para a necessidade de debater em profundidade o modelo econômico e em segundo lugar de perguntar se essa inclusão social via mercado responde plenamente à grande questão de fundo que é a efetivação dos direitos das grandes maiorias. Há muitos cientistas sociais que são  de opinião que as ações do governo não tocam em alguns elementos estruturais da desigualdade no Brasil e as medidas escolhidas não garantem em longo prazo a ascensão das classes mais baixas. Tudo indica que atingimos o Esgotamento do Padrão de Mudança que consistiu na combinação de crescimento econômico e direcionamento da renda e da riqueza geradas para as classes populares. Revela-se agora como urgente a necessidade de realizar Reformas Estruturais.

11) O papa Francisco acentua que os desafios de nossa realidade são hoje certamente muitos e  muito grandes, mas desafios existem para serem superados. O papa nos convoca a todos a um realismo que procura dar conta da verdadeira situação do mundo sem perder, contudo, a alegria, a audácia e a dedicação cheia de esperança.