28 de julho de 2016
On quinta-feira, julho 28, 2016 by PeJose
Vivemos hoje, em plena era tecnológica, o
triunfo da correção automática. Telemóveis, “iphones”, “ipads”… Os teclados
colocados à nossa disposição são tão ágeis que nem precisamos de olhar para
eles. Podemos digitar uma mensagem a uma velocidade recorde, sem especiais
preocupações, pois o automatismo do dispositivo vai alterando e (supostamente)
corrigindo os nossos erros de escrita. A publicidade, cada vez mais agressiva,
explica que o corretor automático tem a enorme vantagem de nos fazer poupar
tempo. Mas para quê?
Também nas relações pessoais existe a
tentação do corretor automático. Quando, por exemplo, nos agarramos como um
totem à letra da lei, ao ditado de uma tradição, aos estritos termos de um
ponto de vista sem olhar a mais, como resolução para todos os problemas que
surjam. Ou quando desatamos a corrigir os outros por tudo e por nada. Ou quando
funcionamos por receitas e chavões. Nem precisamos olhar para as pessoas:
basta-nos citar maquinalmente o número da regra que estão a infringir naquele momento,
ou a nossa prescrição avulsa que resolve tudo. Sem dúvida que dessa forma se
poupa tempo. Mas sabemos que a vida não é assim. A vida é uma construção
paciente. A sua maturação, não só a externa, mas também a interior, segue um
processo delicadíssimo. Os seus fios são ténues e frágeis mesmo quando parecem
longos e indivisíveis. Se quisermos chegar á fonte escondida de um coração,
temos de aceitar andar muito devagar. Pode até ser um exercício extenuante, mas
não há outra forma. «Se alguém te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele
duas», disse Jesus (Mateus 5, 41). E Ele sabia do que falava.
O termo que mais vezes é utilizado pelo
Novo Testamento para designar o ato de correção é “noutheteîn”, que significa
literalmente “pôr no coração, colocar na sua mente, prestar atenção a”. O
contrário, portanto, da indiferença, da condescendência, do confronto
impreparado ou prepotente, que são as nossas patologias mais frequentes na
relação com os outros e com as suas fraquezas. A frequência deste termo nos clássicos
era enorme, desde Homero a Platão, revelando uma sintomática solicitude. Este
último, no diálogo denominado “Eutidemo” (248c), assina a frase seguinte:
«Amo-te, mas corrijo-te com amizade», o que já de si é um programa.
A palavra será depois muito utilizada por
S. Paulo e pelo ambiente paulino. Como aparece claramente na Carta aos Efésios,
ele consiste num termo que deve reorientar, mas sem esmagar ou exasperar aquele
que a recebe (cf. Ef 6, 4). E ganhará uma forte coloração ligada ao cuidado
pastoral. É interessante olhar a sucessão de verbos que nos surge na Primeira
Carta aos Tessalonicenses (5, 14): exortar, corrigir, encorajar, amparar e
suportar. Estes vermos iluminam-se e explicam-se mutuamente.
Por conseguinte, a correção não só não é
automática, como também não deve ser espontânea. Não e um impulso emocional que
mistura impaciência e frustração. Não é uma explosão de humor. A correção
pressupõe uma aprendizagem. Por isso seria absurdo considerar a correção como
um fim: é uma estrutura, uma mediação colaborativa, um apoio para uma
construção esperançosa. Ajuda a ser. Nada mais do que isto. Corrigimos melhor
quando olhamos de maneira solidária para a dificuldade que está em causa, e
apostamos com confiança na superação da prova. E devemos sempre evitar que a
correção seja a nossa única forma de relação com alguém. Quem apenas corrige,
não corrige.
José Tolentino
Mendonça
In "Avvenire"
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 19.05.2016