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15 de abril de 2016

On sexta-feira, abril 15, 2016 by PeJose



3. A LITURGIA (BEM CELEBRADA) É TRANSMISSORA DA FÉ
 O último aspecto das relações entre liturgia e fé afeta o papel que a liturgia desempenha em ordem à educação da fé dos batizados. Para compreender a importância deste aspecto da liturgia, bastaria recordar o valor que o Oriente cristão sempre soube dar à expressão da fé no culto. Às Igrejas orientais bastou lhes muitas vezes a liturgia para educar religiosa e moralmente os fiéis, sobretudo em tempos de perseguição religiosa. Felizmente, entre nós, os catecismos que começaram a ser preparados para a formação cristã das crianças na paróquia e na escola fazem contínuas referências à liturgia e recolhem e reproduzem textos extraídos dos livros litúrgicos. A liturgia é uma verdadeira mestra da fé, embora com a linguagem e a finalidade que lhe são próprias. Isto tem um nome específico: mistagogia do mistério celebrado. Esta é a razão pela qual ela utiliza antes de mais o simbolismo e a ação, e não procura comunicar conteúdos ou experiências, mas sim incorporar o homem no mistério salvador de Cristo. Por isso nunca se devem confundir o objeto e os fins da catequese e da liturgia. A) A celebração é “fonte primeira e indispensável do espírito cristão” Desde as origens do movimento litúrgico, sobretudo a partir do momento em que o Magistério pontifício começou a ocupar-se dele, a liturgia foi considerada, numa frase de São Pio X, a fonte primeira e indispensável do espírito cristão, mesmo no sentido de que a liturgia contribui de modo decisivo para formar e configurar a vida cristã dos fiéis. O Vaticano II tinha-o muito em conta quando afirmava: “Embora a sagrada Liturgia seja principalmente culto da majestade divina, é também abundante fonte de instrução para o povo fiel. Efetivamente, na Liturgia Deus fala ao seu povo, e Cristo continua a anunciar o Evangelho. Por seu lado, o povo responde a Deus com o canto e a oração. Mais ainda: as orações dirigidas a Deus pelo sacerdote que preside, em representação de Cristo, à assembléia, são ditas em nome de todo o Povo santo e de todos os que estão presentes. Os próprios sinais visíveis que a sagrada Liturgia utiliza para simbolizar as realidades invisíveis foram escolhidos por Cristo ou pela Igreja. Por isso, não é só quando se faz a leitura «do que foi escrito para nossa instrução» (Rom. 15,4), mas também quando a Igreja reza, canta ou age, que a fé dos presentes é alimentada e os espíritos se elevam a Deus, para se lhe submeterem de modo racional e receberem com mais abundância a sua graça” (SC 33). A seguir o Concílio dá uma série de princípios para a reforma litúrgica de acordo com esta finalidade didáctico-pastoral da liturgia (cf. SC 34-36), entre eles os que se referem à língua. Apesar disso, e isto deve ficar muito claro, a finalidade da liturgia não é direta nem imediatamente ensinar, embora tenha uma grande eficácia didática. A finalidade da liturgia é cultual, mistagógica, atualizadora do desígnio de salvação realizado em Cristo, mistério que ela celebra e torna presente num registro de sinais sensíveis e eficazes. A ação litúrgica é acima de tudo dinâmica, pois põe em jogo todos os mistérios e carismas da comunidade e faz com que se unam e alternem a palavra e o gesto, a contemplação e o movimento, a oração presidencial e o canto comunitário, as atitudes e os símbolos, etc.
Porque não tem uma finalidade primordialmente didática, a liturgia não busca ilustrar a inteligência, nem expor idéias ou raciocínios. Utiliza os recursos da intuição, da poesia, do sentimento, mas procura criar um clima de comunicação entre os membros da assembléia, e entre estes e o mistério celebrado. Portanto, a liturgia tem uma função instrutiva e didática, embora secundária e subsidiária. E isto não só em relação à fé e seus conteúdos, mas também em relação à finalidade de toda a ação pastoral da Igreja que consiste em formar comunidades cristãs. Eis como entende esta função um importante documento da reforma litúrgica, a Instrução sobre as missas para grupos particulares: “Uma das finalidades principais da ação pastoral da Igreja é a de educar os fiéis para se integrarem na comunidade eclesial de modo que cada um se sinta ativamente unido com os Irmãos na comunhão da Igreja, universal ou local, sobretudo nas celebrações litúrgicas. De fato, a assembléia litúrgica, presidida por quem está investido no poder de convocar o Povo de Deus, de o dirigir, de o instruir e santificar, é um sinal e um instrumento da união de todos os homens com o Verbo Encarnado, e, de modo especial, da Igreja com Cristo” (Proêmio). 13 A liturgia é, sem dúvida, o meio mais apto para integrar os fiéis na comunidade eclesial, sinal da Igreja de Cristo. Por isso, iniciar na liturgia é iniciar na vida comunitária e eclesial. Se nos perguntarmos como o consegue, deveremos dizer que isso acontece a partir da realidade misteriosa da liturgia, que está relacionada com a fé, porque a liturgia está situada na dinâmica das leis da graça, isto é, na dimensão transcendente do ex opere operato e do ex opere operantis, dimensão que escapa ao controle do homem. De fato a liturgia, na prática, sempre se dirigiu aos homens apresentando-lhes e oferecendo-lhes tudo aquilo que é, tudo quanto possui, para que estes alcancem a plenitude na medida de Cristo /cf. Ef 4, 13). É certo que hoje, por influxo das ciências humanas, se têm muito em conta a diversidade de idades, as distintas situações, o nível de fé, etc.; e neste sentido produziu-se uma diversificação de assembléias, de celebrações, de livros e materiais para as missas destinadas, por exemplo, às crianças, ao curso escolar, aos adolescentes, aos jovens, etc. A liturgia tem em conta quando se dirige crianças e quando se dirige a adultos, inclusivamente do ponto de vista do desenvolvimento da sua fé. Mas nem por isso recorta por assim dizer o mistério que celebra, quando está perante não adultos. Mais ainda, poderia dizer-se que a liturgia trata o homem ao mesmo tempo como criança e como adulto, porque sabe que a vida cristã é um contínuo tornar-se, um processo sempre a caminho. Isto explica, por exemplo, que ela esteja continuamente a chamar à conversão e, no decurso da celebração, ofereça várias ocasiões para atualizar esta atitude. Mas existem, além disso, outras razões em apoio da eficácia didática da liturgia, que não são de ordem teológica, mas de ordem antropológica e que, antes de serem formuladas pela psicologia e pela pedagogia, já eram tidas em conta pela liturgia, verdadeiro lugar da fé da comunidade cristã. Afirmou-o o Papa Pio XI numa audiência ao P. Capelle, eminente liturgista belga, com uma frase feliz que se tornou clássica: “A liturgia é o órgão mais importante do magistério ordinário da Igreja… Não é a didascália deste ou daquele indivíduo, mas a didascália da Igreja” (A audiência teve lugar no dia 12-12-1935). Daqui se deduz que a celebração litúrgica tem um valor pedagógico inquestionável. Dela se pode afirmar, com verdade, ser lugar da educação da fé, porque aí se forma, se desenvolve, se estrutura e se alimenta a fé. Quer dizer, a liturgia não só é mestra da fé porque a propõe e à sua maneira a apresenta e expõe, mas também porque educa a fé dos fiéis, a fé que estes exprimem nas celebrações litúrgicas. Para levar a cabo esta função didascálica e educadora da fé e da vida cristã, a liturgia dispõe de meios próprios, que basta enumerar: 13 Congregação para o Culto Divino, Instrução sobre as Missas para grupos particulares, em EDREL, n. 2671.
1. A liturgia da Palavra, à qual a antiguidade chamou missa didática ou missa dos catecúmenos, verdadeiro diálogo entre Deus e o seu povo que se compõe de leituras, cantos e orações. 2. Os diferentes lecionários da Missa, do Ofício Divino, dos diversos rituais dos sacramentos, consideravelmente ampliados, enriquecidos com ciclos, temáticas e modos de leitura, a fim de dar cumprimento ao mandato conciliar de abrir ao povo cristão os tesouros bíblicos da Igreja (SC 51). Menção expressa merecem também as leituras patrísticas e hagiográficas da Liturgia das Horas, outro abundantíssimo instrumento doutrinal e testemunhal da fé. 3. A homilia, que faz parte da ação litúrgica e é como que o traço de união entre a Palavra divina anunciada e o sacramento que atualiza a sua eficácia. 4. As admonições ou intervenções do celebrante, diácono ou leitor, que hão-de ser necessariamente breves, para explicar o sentido de alguns ritos, suscitar determinadas atitudes ou sublinhar alguns aspectos. É interessante notar que quando o Vaticano II fala do caráter didático da liturgia o faz citando uma frase do Concílio de Trento (Ses. XXII, cap. 8: DS 1749) ao recomendar que se explicasse ao povo cristão o significado dos ritos da missa justamente no decurso da própria celebração, face à impossibilidade de admitir então o uso das línguas vernáculas na celebração eucarística. 5. As orações e prefácios, ou seja os textos eucológicos, tal como os hinos, responsórios, versículos, antífonas, etc., cada um deles segundo as regras do gênero a que pertencem, são resposta à Palavra de Deus e neles ressoam os temas bíblicos das leituras transformados em louvor, ação de graças, súplica, memória, oferenda, etc. 6. O ano litúrgico ou comemoração anual dos mistérios do Senhor, aos quais se une a memória da Virgem Maria, dos mártires e de todos os outros santos. A esta evocação no círculo do ano se juntam os aniversários da dedicação das igrejas ou de outros acontecimentos sacramentais que marcam a história duma comunidade, e até mesmo dos fiéis em particular. O ritmo do ano litúrgico, a sucessão e a alternância dos tempos e das solenidades, festas, memórias e dias feriais, o valor simbólico das horas santificadas pelo Ofício Divino, etc., fazem com que o mistério em toda a sua amplitude vá penetrando nas mentes e nos corações, que se imite o que se celebra, etc. 7. Por último os sinais litúrgicos, muitos deles inspirados ou tomados da Bíblia e todos ao serviço da expressão da fé, à qual nutrem e alimentam. A) A pedagogia litúrgica da fé Como acabamos de ver, a liturgia contribui para a educação da fé, é uma forma de catequese em ação, tem sempre aspectos didáticos, embora se possa perguntar se existe uma pedagogia litúrgica quando a comunidade celebra o mistério da salvação. Se por pedagogia entendemos a arte de educar, concretamente de conduzir e fazer com que o homem chegue à maturidade e à medida da estatura de Cristo (cf. Ef 4, 13), pode falar-se de pedagogia litúrgica ou da liturgia como fator que possibilita este crescimento e o efetua realmente. Mais ainda, a pedagogia litúrgica acaba por coincidir com a própria pedagogia de Deus posta em relevo na história da salvação e revelada na Sagrada Escritura. Mas não acontece apenas uma coincidência com a pedagogia divina revelada na historia salutis. A liturgia, além disso, colabora decisivamente no êxito deste plano salvífico. Se os sacramentos foram instituídos por Cristo como acontecimentos de salvação, a Igreja vestiu-os e celebrou-os com uma série de sacramentais, ritos, gestos, ações, etc., que contribuem decisivamente para dispor aqueles que os vão receber. É o que ensina Santo Tomás quando diz que os sacramentos concedem a perfeição da santidade, ao passo que os sacramentais, em que o Doutor Angélico inclui todos os sinais litúrgicos, apenas predispõem para a  santidade. A missão deste sinais é dar solenidade aos sacramentos, fomentar a devoção e a reverência dos fiéis, instruir os crentes e impedir a astúcia do diabo (Summa Theol, III, 66,10). Já vimos que a finalidade da liturgia não é direta e imediatamente didática. Por isso é preciso dizer que a pedagogia litúrgica só é educativa na medida em que é salvífica. A liturgia vai, pouco a pouco, configurando a personalidade do cristão à imagem de Cristo, e realiza-o naturalmente a partir da eficácia própria das diversas ações sacramentais, e no âmbito eclesial e comunitário que lhe é próprio. Já dissemos também que a liturgia se inscreve plenamente nas leis da graça. Nela os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens (SC 7); quer dizer, uns, os de instituição divina, ex opere operato e outros, os de instituição eclesiástica, ex opere operantis. Na liturgia entra em jogo não só o opus operantis da pessoa que recebe um sacramento ou que participa na liturgia, mas o opus operantis Ecclesiae. Dizia-o Pio XII na Mediator Dei: “A oração litúrgica, pelo simples fato de ser a oração pública da nobre Esposa de Jesus Cristo, tem uma dignidade superior à da oração privada (n. 37). Portanto, e são palavras do Vaticano II, qualquer celebração litúrgica é, por ser obra de Cristo sacerdote e do seu Corpo que é a Igreja, ação sagrada por excelência, cuja eficácia, com o mesmo título e no mesmo grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja” (SC 7). Mas ao lado desta lei suprema da eficácia da liturgia no plano das realidades da graça, há também outras leis de teor antropológico que definem a pedagogia litúrgica. Estas leis manifestam-se na maneira prática e concreta de unir e harmonizar todos os elementos que entram em jogo nas celebrações: desde os enunciados doutrinais às atitudes cultuais, desde as situações dos fiéis até aos objetivos da celebração, desde as exortações e avisos até às orações e aos cantos, etc. Estas leis, que a psicologia social descobriu, costumam enunciar-se assim: – Lei da impossibilidade de que a mente humana se concentre simultaneamente sobre todos os aspectos de uma realidade, neste caso o mistério de Cristo ou mistério da salvação. Isto fez com que a liturgia distribuísse, por assim dizer, este mistério ao longo do ano litúrgico. – Lei da descontinuidade da atenção ou da distribuição das práticas litúrgicas para evitar a fadiga e o cansaço. Daí que no ano litúrgico se sucedam e alternem os tempos fortes e os tempos comuns; que dentro da celebração haja momentos mais intensos seguidos de pausas, podendo determinar-se curvas de atenção e níveis de participação. – Lei da ciclicidade na aprendizagem ou do retorno constante de conceitos e vivências. O ritmo cíclico permite uma maior penetração no mistério de Cristo, um maior aprofundamento das atitudes, um reforço da experiência de fé. Em resumo: a liturgia não é apenas meta de uma formação na fé ou de uma pedagogia da fé, é também ela mesma, por meio da sua própria pedagogia, instrumento e corrente para penetrar no seu âmbito vital e sacramental. A pedagogia litúrgica é litúrgica não só pelo fim, mas também pelo meio. Neste sentido deve dizer-se também que a pedagogia litúrgica não só é uma pedagogia da fé, mas uma pedagogia para a fé, ou seja, em ordem a conseguir uma fé adulta, pessoal, operativa, comunitária, numa palavra, amadurecida. Recordemos uma vez mais que os sacramentos são chamados sacramentos da fé porque por meio de palavras e de sinais exprimem a fé da Igreja, exigem a resposta de fé dos sujeitos e comunicam o dom da fé e a alimentam.
CONCLUSÃO

As relações entre a liturgia e a fé não constituem um aspecto acidental do culto cristão. São exigidas pela própria natureza da liturgia, que é, ao mesmo tempo, obra divina e obra humana, que dizer, ação de Deus e de Jesus Cristo, que conta com a cooperação do homem. A cooperação do homem consiste fundamentalmente na fé, como obséquio da vontade e como aceitação gozosa do dom de salvação que recebe. Por isso a fé está na base da liturgia. E isto num duplo sentido: enquanto expressão do que a Igreja crê e confessa quando celebra a liturgia, e enquanto manifestação das atitudes da comunidade concreta e dos homens que participam na ação litúrgica. Sob o primeiro aspecto a liturgia é expressão da fé da Igreja. Sob o segundo, é expressão da resposta pessoal e comunitária ao mistério de salvação. Apenas no que respeita ao primeiro aspecto se pode falar da norma da oração (lex orandi) em relação direta com a norma da fé (lex credendi). Mas também não pode esquecer-se o segundo aspecto, e para ele se deve encaminhar toda a ação catequética e de pastoral litúrgica, que têm como objetivo a participação ativa, consciente e frutuosa dos fiéis na celebração litúrgica.

fonte: http://www.liturgia.pt/multimedia/pdf/2013_ENPL_02_JulianMartin.pdf