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30 de setembro de 2014

On terça-feira, setembro 30, 2014 by PASCOM - coreaú
Vemos, ouvimos e lemos todos os dias notícias que nos fazem sentir que a vida oferece poucas razões para sermos gratos. Crise, desemprego, injustiça, desigualdade, doença, morte… e o rol poderia continuar quase sem fim. Mas há pessoas que mostram conseguir passar do lamento para a gratidão – e transformam as suas vidas.
Nas vicissitudes da vida é difícil encontrar sentido para o que acontece. Apesar de tudo, há os que conseguem ser gratos quando acontece o nonsense. Por muito estranho que possa parecer, a gratidão pode surgir nas circunstâncias mais improváveis. É o caso de Ana, nome fictício, que perdeu o seu bebé de quatro meses. Por razões desconhecidas e clinicamente nunca apuradas, o filho chorava dia e noite inconsolável. Durante quatro meses aquela mãe tentou encontrar múltiplas formas de sossegar e acalmar o filho. Exausta, pediu a uma senhora para tomar conta do seu bebé durante um fim de semana para ela poder dormir e regressar fresca ao trabalho. Quando chegou o tal fim de semana combinado, a mãe foi buscar a pessoa que se disponibilizou para ficar com o menino. Durante o percurso na Avenida Marginal, a mãe adormeceu ao volante, tendo um trágico acidente. A mãe ficou hospitalizada uns meses e o bebé teve morte imediata. Quando Ana saiu do hospital sentiu necessidade de decidir se queria ou não continuar infeliz para o resto da vida. Não teria ela mais direito a sorrir, cantar, dançar – numa palavra, a viver? Decidiu que dali para a frente iria pensar que o seu menino tinha morrido porque ela tinha sido a melhor mãe para ele. Durante os meses de vida daquele filho viveu em função das necessidades dele, tentando acalmá-lo, mimá-lo e abraçá-lo com o amor de mãe.
Algum tempo depois, Ana volta a engravidar. Hoje tem uma criança com quem gosta de conversar sobre o mano que partiu. Conta-lhe que está no céu, que é um anjinho que está sempre presente na vida de todos. Esta mãe percebeu que tinha direito de voltar a ser feliz e sente-se grata à vida pelo que dela tem recebido.
Estranha forma de vida – pensarão alguns. Mas há sempre mais vida para além daquela que o perímetro do olhar alcança. A Andreia, também nome fictício, conta que, desde que a irmã ficou tetraplégica aos 23 anos, na sequência de um acidente de automóvel, o seu nível de gratidão para com a vida subiu substancialmente. Parece um paradoxo até chocante, mas ela explica: «Não imaginam a felicidade que sinto todos os dias por me levantar sozinha, tomar banho sem precisar de ajuda, por conseguir andar…» A situação da irmã levou-a a sentir uma experiência de gratidão relativamente àquilo que a grande maioria de nós tem como garantido. Infelizmente, diz, precisou de testemunhar o sofrimento da irmã para entender que a vida oferece todos os dias razões para nos sentirmos gratos.
Educar para a gratidão
«A vida em si mesma já é uma razão de gratidão», começa por dizer à FAMÍLIA CRISTÃ Helena Águeda Marujo, especialista em Psicologia Positiva. A investigadora e docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – Universidade de Lisboa (ISCSP-UL) salienta a importância de se viver experiências de gratidão neste mundo que é o nosso: «Aprender a estar grato é uma urgência das sociedades atuais, porque criámos condições de segurança e de certeza em muitas áreas da vida que fazem com que hoje seja muito mais difícil reconhecermos aquilo que já temos. Que se aprecie e saiba celebrar as pequenas grandes vitórias que vamos conseguindo. Às vezes são as pessoas que vivem em condições mais difíceis, com histórias de vida mais dolorosas, que nos ensinam esta lição extraordinária que são as razões para estarmos gratos.»
Para a investigadora, essa urgência é sobretudo relevante para as novas gerações que aprenderam a viver com alguma segurança material, tendo acesso a tantas coisas e que as fez «descansar e não valorizar o essencial». Quantas vezes damos presentes aos nossos filhos e eles acabam por não os apreciar? A isso se chama «ausência de gratidão». Helena Marujo diz que «o excesso que pusemos em algumas áreas da nossa vida fez com que deixássemos de estar atentos ao que são as nossas bênçãos, como, por exemplo, ter saúde, uma cama para dormir, estar com as pessoas que amamos, ter acesso ao ensino superior – é uma minoria da humanidade que o consegue –, andar, comer, ver… Isto são dados adquiridos para os que têm essas possibilidades e experiências mas não são valorizados», observa.
É por isso que a docente fala na necessidade de educar para a gratidão. E a investigação científica demonstra que as pessoas com uma relação de gratidão com a vida têm uma melhor saúde cardiovascular. Como é possível potenciar e desenvolver a gratidão todos os dias, Helena Marujo explica o primeiro passo a ser dado para se exercitar essa emoção positiva na nossa vida: «Tomando consciência que podemos escolher, ou seja, podemos viver focados naquilo que nos falta ou focados na esperança e na luta por atingir novas metas, mas suportados e apoiados no reconhecimento do que que já temos.» As pessoas podem escolher estar gratas por aquilo que viveram no dia de hoje, desenvolvendo a capacidade de reconhecer e aceitar a dádiva da vida.
Robert Emmons, um importante académico do movimento da Psicologia Positiva e autor do livro Obrigado! (Estrela Polar), refere que as pessoas que cultivam com frequência pensamentos de gratidão aumentam em 25% o seu índice de felicidade e sugere um registo diário de gratidão durante algumas semanas para com isso melhorar a qualidade do sono e aumentar a energia. «Descobrimos que a gratidão maximiza a apreciação do bem – a nossa apreciação dos outros, de Deus, das nossas vidas. A felicidade é facilitada quando apreciamos aquilo que nos foi dado, quando “desejamos o que temos”», escreveu este professor da Universidade da Califórnia em Davis.
Aos seus alunos, Helena Marujo pede que façam um jornal diário de gratidão onde relatam as experiências das “bênçãos” recebidas. Muitos têm dificuldade em descobrir as «coisas boas que acontecem» durante o dia. Quando entendem que podem registar as coisas mais simples da vida, como a delícia que foi terem comido um bom pastel de bacalhau ao lanche ou terem recebido uma mensagem ou telefonema de um amigo, reparam melhor na vida e saboreiam o quotidiano com outra emoção. A dificuldade em descobrir os «pontos de luz» do nosso dia é interpretada por esta investigadora como sinal de «uma sociedade centrada no que não funciona, vocacionada para a identificação dos problemas, dos défices, do que nos falta, para finalmente um dia, sermos felizes».
«Andamos muito focados em objetivos futuros sem sermos capazes de fazer o reconhecimento do aqui e agora. Este foco no futuro deixa alguns incapazes de ser sensíveis ao presente – e quando são sensíveis ao presente focam-se quase estritamente nas suas limitações», acrescenta.
Gratidão ajuda a ver mais longe
Quantas vezes damos por nós a pensar que só seremos felizes quando tivermos isto e aquilo? Que ainda não temos as condições que desejamos para tudo ficar bem? Acabamos assim por negligenciar uma componente fundamental da nossa felicidade. Menosprezando a gratidão por tantas coisas boas que temos dentro e fora de nós, fechamo-nos para a vida. Os entendidos dizem que a gratidão, sendo uma experiência emocional positiva, nos dá capacidade para ver melhor as soluções para os problemas da vida. Ao contrário das emoções negativas que nos bloqueiam e nos fecham, as emoções positivas abrem-nos para outras possibilidades de resolver as situações com maior criatividade.
A gratidão chegou à ciência e mostra-nos os benefícios que dela podemos retirar para transformarmos as nossas vidas. Quando Helena Marujo falava na importância de se estudar a gratidão, os colegas diziam-lhe que era «tema de Igreja». Concluiu-se que a gratidão, afinal, é também objeto de investigação científica, como experiência humana que é.
No Mestrado Executivo em Psicologia Positiva Aplicada no ISCSP-UL, Helena Marujo pede aos mestrandos para escreverem cartas de gratidão a alguém a quem se devam sentir gratos. A investigação tem-se revelado «muito interessante» porque, associado a este exercício, está também a leitura em voz alta ao destinatário da missiva: «Temos relatos de alunos que fortalecem imenso a relação que tinham com a pessoa escolhida e têm de volta um sentido de reconhecimento quando veem o impacto no bem-estar do outro. A gratidão é uma experiência emocional, mas quando ela é feita com este processo relacional transforma-se num bem relacional e, portanto, liga-se ao sentido da vida – e o que dá sentido à vida das pessoas são sobretudo as relações», conclui.
E porque estamos a falar de gratidão, falta ainda escrever duas palavras a si que me lê: muito obrigada.
Por Família Cristã via Aleteia