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25 de junho de 2014

On quarta-feira, junho 25, 2014 by PeJose

DSI-7

Se a Ficha anterior destacou a natureza teológica, nessa Ficha, a sétima da DSI, serão apresentados os acenos históricos da formação dessa Doutrina, que são abordados no último tópico do segundo capitulo do Compêndio: “Missão da Igreja e Doutrina Social”, os quais já foram também sinalizados na primeira Ficha.
a) Rerum Novarum (1891).
Embora o Magistério da Igreja tenha abordado questões sociais desde os primórdios do cristianismo, esta encíclica[1] de Leão XIII é o primeiro documento eclesial específico sobre o tema, inaugurando uma nova fase na relação entre a Igreja e o mundo secular. Trata-sede uma tomada de posição sobre a realidade que exigia o profetismo da Igreja no final século XIX: a situação de exploração dos operários que clamava por uma ordem social justa. Na encíclica Centesimus annus, o papa João Paulo II, afirmou que a RN se constitui como o grande paradigma da DSI, pois todos os sucessivos documentos retomaram aquele texto e o atualizaram, o que justifica ser chamada de Carta Magna da Doutrina Social da Igreja.
b) Quadragesimo anno (1931)
Lançada no 40º aniversário da RN, essa encíclica sinaliza o segundo momento importante na formação da DSI, que pode ser resumido em quatro pontos chaves: Primeiro, o papa Pio XI denomina o ensinamento social proposto desde a RN de “Doutrina Social”, termo que perdura até nossos dias. Segundo, o papa identifica como caótica a situação mundial provocada pela crise econômica de 1929, que afetou grandes contingentes da humanidade, e pelo cerceamento das liberdades individuais impostas pelos regimes totalitários que surgiam. Terceiro, o papa apela para o princípio da solidariedade, isto é, para a colaboração mútua entre os membros da sociedade. Embora essa afirmação possa ter sido vista como um limite, pois apresenta uma visão idealista da sociedade, é preciso ter presente que a Igreja tinha a compreensão de que a sociedade deveria se pautar pelos princípios evangélicos. Em relação aos empregadores, o papa insiste que o salário pago ao trabalhador deveria ser suficiente para manter a sua família. Quarto, o papa afirma que os Estados devem aplicar o “princípio da subsidiariedade”[2], que defende a autonomia das pessoas e sua dignidade, na perspectiva das realizações pessoais, isto é, que o Estado deve garantir que os vários segmentos da sociedade civil cumpram a sua função social de promover o bem comum, naquilo que hoje chamamos de ‘políticas públicas’, e não controlá-los ou impedi-los de exercer seus direitos. Por outro lado, o papa rejeita o liberalismo como concorrência ilimitada, o que permite entender que além de criticar o liberalismo econômico, a Igreja critica o Estado por omitir-se diante da crise causada por esse regime econômico. Em função do principio da solidariedade, o Estado teria a obrigação de impedir que interesses de grupos econômicos se sobreponham à sociedade e ao bem comum.
c) A marca característica do papa Pio XII foram as radiomensagens e, em muitas delas, pode-se perceber a contribuição para a formação da DSI. A grande contribuição deste papa reside na afirmação que urgia uma nova ordem social fundada na justiça social e na paz e que fosse orientada pela moral e pelo direito. Esta visão foi retomada e ampliada na Constituição Pastoral Gaudium et Spes. O Compêndio destaca que o ensinamento do papa Pio XII representou a ‘voz da consciência universal’ num dos períodos mais críticos da Historia, o da segunda Guerra e seu período imediato.
d) O quarto momento de atualização da DSI a ser destacado é o magistério exercido pelo papa João XXIII. Atento aos sinais dos tempos, em 1961, o papa promulgou a encíclica Mater et Magistra, na qual apresentou uma leitura positiva da sociedade, afirmando que a comunidade humana tinha condições de superar as dificuldades sociais que assolavam o mundo. Bastava para isso inverter a lógica do sistema, fazendo com que o desenvolvimento econômico e técnico estivesse em função da humanidade e da dignidade humana. Na encíclica Pacem in Terris, (1963), ele retoma a questão da Paz e da Dignidade Humana em função da ameaça da proliferação de armas nucleares e convida “todas as pessoas de boa vontade” a se engajarem na construção de um mundo melhor, destacando aqueles que exercem funções públicas na comunidade mundial. Também a convocação de João XXIII para o Concilio Vaticano II deve ser vista como promoção da DSI.
e) O quinto  momento foi a fundamental contribuição dada pelo Concilio Vaticano II, especificamente através da GS, que expressa uma Igreja que deseja estar atenta aos problemas do mundo e ser solidária com o ‘gênero humano e sua história’. Os seus principais tópicos foram abordados na perspectiva da antropologia cristã e da Missão da Igreja: a cultura, a vida econômica e social, o matrimônio e a família, a comunidade política, a paz e a comunidade dos povos. A chave de interpretação da GS é a pessoa humana e em função dela é que existe a sociedade e tudo o que dela decorre. Associada à GS está a DH, que proclama o direito à liberdade religiosa como um importante direito humano e a GE, indicando que a educação é fundamental para o desenvolvimento social. Além disso tudo, o Vaticano II teve o mérito de abrir as portas do Igreja para o novo, para o diálogo com o mundo, o que possibilitou o reavivamento da visibilidade da Igreja para a humanidade.
f) Como sexto momento, destaca-se o magistério exercido pelo papa Paulo VI, que foi o responsável pela continuação e implantação do Concilio Vaticano II. A encíclica Populorum Progressio (1967), retomou o tópico  da vida econômico-social da GS, o que demonstra o empenho pessoal do papa na elaboração e promulgação daquela Constituição. O papa destaca que só haveria desenvolvimento integral quando houvesse promoção da dignidade humana. Para tanto, era preciso promover a cultura e a dignidade humana, através de ações de justiça social realizadas mundialmente. Por fim, acrescentou que o desenvolvimento integral era condição sine qua non para a Paz, tanto que  afirmou que Desenvolvimento era o novo nome da Paz. Como consequência, no mesmo ano, criou o Pontifício Conselho Justiça e Paz, e inseriu no calendário cristão, a partir de 1968, o dia Mundial da Paz. Nos 80 anos da RN, foi promulgada a encíclica Octogésima adveniens, na qualo papa afirma que as ideologias eram  insuficientes para resolver os problemas sociais do mundo, numa clara alusão às tensões socioeconômicas e políticas da década de 70.
g) O sétimo momento importante se dá com o magistério de João Paulo II, dividido em 3 documentos. Ao destacar a importância do trabalho na dignidade humana na encíclica Laborens exercens, (1981), o papa afirma que, antes de um dever, o trabalho é um direito fundamental do ser humano e nenhum sistema econômico pode ser considerado correto se priva grandes populações desse direito. Com a encíclica Sollicitudo rei socialis, (1987), retomando a Populorum Progressio e acrescentando a distinção entre progresso e desenvolvimento, o papa indica uma natureza moral do desenvolvimento, isto é,  o capital não pode estar acima da vida humana, antes deve existir para promover a Paz. Por fim, na encíclica Centesimus annus, (1991), em meio às fortes mudanças políticas na Europa e no leste europeu, o papa afirma que o autêntico desenvolvimento humano ocorre quando a humanidade reconhecer Deus em cada ser humano. Com isso, o papa deseja alertar que a natureza da DSI é religiosa e não ideológica. Em 1991, deu-se início à sistematização do corpus doutrinal da DSI, que foi promulgado em 2004, com o nome Compêndio da Doutrina Social da Igreja.
 O magistério social depois da promulgação do Compêndio
h) O oitavo momento, já depois da promulgação do Compêndio, dá-se com o magistério de Bento XVI, através da encíclica Deus Caritas Est (2006), especialmente em sua segunda parte, denominada “A prática do amor pela Igreja”, quando alerta que a justiça é fruto da caridade e todos têm responsabilidade por ela, especialmente aqueles que exercem funções públicas. Todavia, o documento mais expressivo é a encíclica Caritas in Veritate (2009), baseada na  encíclica Populorum Progressio. Diante da globalização e da ameaça de uma recessão econômica, o papa Bento XVI afirma a urgente necessidade de reformas dos organismos políticos que têm influência sobre a economia internacional, dentre eles a ONU, um organismo com enorme força moral. Exorta os países ricos a ajudarem os países pobres, para que a crise não se aprofunde e lembra que o desenvolvimento exige o reordenamento da economia e o desarmamento.
i) O nono momento se apresenta com o papa Francisco, encarnando a DSI através de sua simplicidade e de seu testemunho. Seu ministério petrino ainda é muito recente, mas a maioria de suas pregações valoriza a promoção humana. Recentemente, ocorreu em Roma o terceiro Festival da Doutrina Social da Igreja, cujo tema era ‘Menos desigualdades, mais diferenças’. Na mensagem dirigida ao grupo responsável por esse evento, recordando a crise social de desemprego de jovens em vários países, o que ele chama de ‘hipoteca social para o futuro’, o papa afirma que a DSI contém “um patrimônio de reflexão e de esperança que é capaz também hoje de orientar as pessoas e de as manter livres” e que isso se constitui como uma ‘mística’ para todos os que desejam ser discípulos de Jesus Cristo em nosso tempo’.
Insistentemente, o papa tem afirmado que a motivação para envolvimento dos cristãos em obras sociais e/ou assistenciais não deve ser apenas por filantropia como fazem ONG’s e empresários, mas sim por uma exigência evangélica de compaixão e comunhão com os que estão privados de sua dignidade, pois em cada pessoa há o rosto do Cristo sofredor.   
Por fim, cabe destacar que a Igreja Latino-americana, através das cinco Conferências Episcopais, no esforço de implantar as orientações do Concilio Vaticano II, produziu importantes documentos, que foram incorporados ao Magistério Eclesial. Eles foram e continuam sendo fundamentais e paradigmáticos. Medellin (1968) e Puebla (1979)  apresentaram a questão da dignidade humana aviltada nesse Continente, principalmente pelos regimes militares e pelos sistemas neoliberais que os vários governos impuseram aos seus povos. Essas duas Conferências foram fundamentais para fazer a Igreja do Brasil assumir o Concílio Vaticano II. Elas também foram importantes na construção de uma metodologia pastoral própria, que se constitui na Opção Preferencial pelo Pobres, o que propiciou legitimidade ao profetismo de bispos, padres, religiosos e leigos que se perfilaram na defesa da vida humana. Hoje vivemos a forte influência da Conferência de Aparecida (2007), que, dilatando o conceito de missão, convida a Igreja a repensar profundamente sua ação evangelizadora, fazendo de todos os seus membros discípulos e missionários de Cristo, Caminho, Verdade e Vida, e a relançar com fidelidade e audácia sua missão nas novas circunstâncias para que n’Ele todos os povos tenham vida.
 Notas
[1] Encíclica é um documento solene através do qual o papa exerce ordinariamente seu magistério. Ela é  dirigida a todos os bispos, todas as dioceses e a todos os fiéis.
[2] “O princípio da subsidiariedade indica que, na sociedade, as instituições e organismos de ordem superior devem se colocar em atitude de ajuda (‘subsidium’) – e, portanto, de apoio, promoção e incremento – em relação às menores (CDSI, 186).’ in  Alexandre Ribeiro, O que é a Doutrina social da Igreja? Para quem se interessar em aprofundar seus conhecimentos sobre o tema, sugerimos a leitura das e-referências abaixo.
 E-Referências
Alexandre Ribeiro, O que é a Doutrina social da Igreja? publicado em Aleteia em 01/02/2013 acessado em 23/04/14.
Klauber Cristofen Pires, O princípio da Subsidiariedade, publicado em Libertatum em 09/06/2011 e acessado em 06/05/2014.
Thais Novaes Cavalcanti, O princípio da subsidiariedade e a dignidade da pessoapublicado em FSBA, Revistas Diálogos Possíveis e acessado em 06/05/2014.
 Para Refletir:
1) Quais os pontos fundamentais (palavras chave) que perpassam a maioria dos documentos do magistério sobre a questão social ?
2) Dentre os direitos defendidos pelo Magistério Social, qual(is) dele(s) você julga fundamental(is)?
3) As Conferências continentais e nacionais da América Latina acolheram e ampliaram as diretrizes da Doutrina Social da Igreja. Na sua Diocese e/ou Paróquia essas diretrizes estão sendo efetivamente aplicadas? Se sim, em que sentido? Se não, o que está faltando para que isso aconteça?

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http://www.ambientevirtual.org.br/fichas-de-estudo/ficha-62-acenos-historicos-da-doutrina-social-da-igreja-dsi-7a/