5 de fevereiro de 2013
On terça-feira, fevereiro 05, 2013 by Pe. Lucione Queiroz Sem comentário
Mensagem do Papa Bento XVI para a QUARESMA 2013
CRER NA CARIDADE SUSCITA CARIDADE
Mensagem de Bento XVI para a Quaresma
de 2013
CIDADE DO VATICANO, Friday, 1
February 2013 (Zenit.org).
Apresentamos a seguir a mensagem de Sua Santidade Bento XVI para a
Quaresma de 2013.
Crer na caridade suscita caridade
«Nós conhecemos o amor que Deus nos
tem, pois cremos nele» (1 Jo4, 16)
Queridos irmãos e
irmãs!
A celebração da Quaresma, no contexto
do Ano da fé, proporciona-nos uma preciosa ocasião
para meditar sobre a relação entre fé e caridade: entre o crer em Deus, no Deus
de Jesus Cristo, e o amor, que é fruto da acção do Espírito Santo e nos guia
por um caminho de dedicação a Deus e aos outros.
1. A fé como
resposta ao amor de Deus
Na minha primeira Encíclica,
deixei já alguns elementos que permitem individuar a estreita ligação entre
estas duas virtudes teologais: a fé e a caridade. Partindo duma afirmação
fundamental do apóstolo João: «Nós conhecemos o amor que Deus nos tem, pois
cremos nele» (1 Jo 4, 16), recordava
que, «no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia,
mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo
horizonte e, desta forma, o rumo decisivo. (…) Dado que Deus foi o primeiro a
amar-nos (cf. 1 Jo 4, 10), agora
o amor já não é apenas um “mandamento”, mas é a resposta ao dom do amor com que
Deus vem ao nosso encontro» (Deus caritas est, 1). A fé constitui
aquela adesão pessoal – que engloba todas as nossas faculdades – à revelação do
amor gratuito e «apaixonado» que Deus tem por nós e que se manifesta plenamente
em Jesus Cristo. O encontro com Deus Amor envolve não só o coração, mas também
o intelecto: «O reconhecimento do Deus vivo é um caminho para o amor, e o sim
da nossa vontade à d’Ele une intelecto, vontade e sentimento no acto
globalizante do amor. Mas isto é um processo que permanece continuamente a
caminho: o amor nunca está “concluído” e completado» (ibid., 17). Daqui deriva, para todos os
cristãos e em particular para os «agentes da caridade», a necessidade da fé,
daquele «encontro com Deus em Cristo que suscite neles o amor e abra o seu
íntimo ao outro, de tal modo que, para eles, o amor do próximo já não seja um
mandamento por assim dizer imposto de fora, mas uma consequência resultante da
sua fé que se torna operativa pelo amor» (ibid., 31). O cristão é uma pessoa
conquistada pelo amor de Cristo e, movido por este amor – «caritas Christi urget nos» (2 Cor 5, 14) – , está
aberto de modo profundo e concreto ao amor do próximo (cf. ibid., 33). Esta atitude nasce, antes de tudo, da consciência de ser amados,
perdoados e mesmo servidos pelo Senhor, que Se inclina para lavar os pés dos
Apóstolos e Se oferece a Si mesmo na cruz para atrair a humanidade ao amor de
Deus.
«A fé mostra-nos o Deus que entregou
o seu Filho por nós e assim gera em nós a certeza vitoriosa de que isto é mesmo
verdade: Deus é amor! (…) A fé, que toma consciência do amor de Deus revelado
no coração trespassado de Jesus na cruz, suscita por sua vez o amor. Aquele
amor divino é a luz – fundamentalmente, a única – que ilumina incessantemente
um mundo às escuras e nos dá a coragem de viver e agir» (ibid., 39). Tudo isto nos faz compreender como o procedimento principal que
distingue os cristãos é precisamente «o amor fundado sobre a fé e por ela
plasmado» (ibid., 7).
2. A caridade como
vida na fé
Toda a vida cristã consiste em
responder ao amor de Deus. A primeira resposta é precisamente a fé como acolhimento,
cheio de admiração e gratidão, de uma iniciativa divina inaudita que nos
precede e solicita; e o «sim» da fé assinala o início de uma luminosa história
de amizade com o Senhor, que enche e dá sentido pleno a toda a nossa vida. Mas
Deus não se contenta com o nosso acolhimento do seu amor gratuito; não Se
limita a amar-nos, mas quer atrair-nos a Si, transformar-nos de modo tão
profundo que nos leve a dizer, como São Paulo: Já não sou eu que vivo, é Cristo
que vive em mim (cf. Gl 2, 20).
Quando damos espaço ao amor de Deus,
tornamo-nos semelhantes a Ele, participantes da sua própria caridade.
Abrirmo-nos ao seu amor significa deixar que Ele viva em nós e nos leve a amar
com Ele, n’Ele e como Ele; só então a nossa fé se torna verdadeiramente uma «fé
que actua pelo amor» (Gl 5, 6) e Ele vem
habitar em nós (cf. 1 Jo 4, 12).
A fé é conhecer a verdade e aderir a
ela (cf. 1 Tm 2, 4); a caridade é
«caminhar» na verdade (cf.Ef 4, 15). Pela fé,
entra-se na amizade com o Senhor; pela caridade, vive-se e cultiva-se esta
amizade (cf. Jo 15, 14-15). A fé
faz-nos acolher o mandamento do nosso Mestre e Senhor; a caridade dá-nos a
felicidade de pô-lo em prática (cf. Jo 13, 13-17). Na fé,
somos gerados como filhos de Deus (cf. Jo 1, 12-13); a
caridade faz-nos perseverar na filiação divina de modo concreto, produzindo o
fruto do Espírito Santo (cf. Gl 5, 22). A fé
faz-nos reconhecer os dons que o Deus bom e generoso nos confia; a caridade
fá-los frutificar (cf. Mt 25, 14-30).
3. O entrelaçamento
indissolúvel de fé e caridade
À luz de quanto foi dito, torna-se claro que nunca podemos separar e
menos ainda contrapor fé e caridade. Estas duas virtudes teologais estão
intimamente unidas, e seria errado ver entre elas um contraste ou uma
«dialéctica». Na realidade, se, por um lado, é redutiva a posição de quem
acentua de tal maneira o carácter prioritário e decisivo da fé que acaba por
subestimar ou quase desprezar as obras concretas da caridade reduzindo-a a um
genérico humanitarismo, por outro é igualmente redutivo defender uma exagerada
supremacia da caridade e sua operatividade, pensando que as obras substituem a
fé. Para uma vida espiritual sã, é necessário evitar tanto o fideísmo como o
activismo moralista.
A existência cristã consiste num
contínuo subir ao monte do encontro com Deus e depois voltar a descer, trazendo
o amor e a força que daí derivam, para servir os nossos irmãos e irmãs com o
próprio amor de Deus. Na Sagrada Escritura, vemos como o zelo dos Apóstolos
pelo anúncio do Evangelho, que suscita a fé, está estreitamente ligado com a
amorosa solicitude pelo serviço dos pobres (cf. At 6, 1-4). Na Igreja, devem coexistir e integrar-se contemplação e acção,
de certa forma simbolizadas nas figuras evangélicas das irmãs Maria e Marta
(cf. Lc 10, 38-42). A
prioridade cabe sempre à relação com Deus, e a verdadeira partilha evangélica
deve radicar-se na fé (cf. Catequese na Audiência geral de
25 de Abril de 2012). De facto, por vezes tende-se a circunscrever a
palavra «caridade» à solidariedade ou à mera ajuda humanitária; é importante
recordar, ao invés, que a maior obra de caridade é precisamente a
evangelização, ou seja, o «serviço da Palavra». Não há acção mais benéfica e,
por conseguinte, caritativa com o próximo do que repartir-lhe o pão da Palavra
de Deus, fazê-lo participante da Boa Nova do Evangelho, introduzi-lo no
relacionamento com Deus: a evangelização é a promoção mais alta e integral da
pessoa humana. Como escreveu o Servo de Deus Papa Paulo VI, na Encíclica Populorum progressio, o anúncio de Cristo
é o primeiro e principal factor de desenvolvimento (cf. n. 16). A verdade
primordial do amor de Deus por nós, vivida e anunciada, é que abre a nossa
existência ao acolhimento deste amor e torna possível o desenvolvimento
integral da humanidade e de cada homem (cf. Enc. Caritas in veritate, 8).
Essencialmente, tudo parte do Amor e tende para o Amor. O amor gratuito
de Deus é-nos dado a conhecer por meio do anúncio do Evangelho. Se o acolhermos
com fé, recebemos aquele primeiro e indispensável contacto com o divino que é
capaz de nos fazer «enamorar do Amor», para depois habitar e crescer neste Amor
e comunicá-lo com alegria aos outros.
A propósito da relação entre fé e
obras de caridade, há um texto na Carta de São Paulo
aos Efésios que a resume talvez do melhor modo: «É pela graça que estais salvos, por
meio da fé. E isto não vem de vós; é dom de Deus; não vem das obras, para que
ninguém se glorie. Porque nós fomos feitos por Ele, criados em Cristo Jesus,
para vivermos na prática das boas acções que Deus de antemão preparou para
nelas caminharmos» (2, 8-10). Daqui se deduz que toda a iniciativa salvífica
vem de Deus, da sua graça, do seu perdão acolhido na fé; mas tal iniciativa,
longe de limitar a nossa liberdade e responsabilidade, torna-as mais autênticas
e orienta-as para as obras da caridade. Estas não são fruto principalmente do
esforço humano, de que vangloriar-se, mas nascem da própria fé, brotam da graça
que Deus oferece em abundância. Uma fé sem obras é como uma árvore sem frutos:
estas duas virtudes implicam-se mutuamente. A Quaresma, com as indicações que
dá tradicionalmente para a vida cristã, convida-nos precisamente a alimentar a
fé com uma escuta mais atenta e prolongada da Palavra de Deus e a participação
nos Sacramentos e, ao mesmo tempo, a crescer na caridade, no amor a Deus e ao
próximo, nomeadamente através do jejum, da penitência e da esmola.
4. Prioridade da
fé, primazia da caridade
Como todo o dom de Deus, a fé e a
caridade remetem para a acção do mesmo e único Espírito Santo (cf. 1 Cor 13), aquele Espírito que em nós clama:«Abbá! – Pai!» (Gl 4, 6), e que nos faz dizer: «Jesus é Senhor!» (1 Cor 12, 3) e «Maranatha! – Vem, Senhor!» (1 Cor 16, 22; Ap 22, 20).
Enquanto dom e resposta, a fé faz-nos
conhecer a verdade de Cristo como Amor encarnado e crucificado, adesão plena e
perfeita à vontade do Pai e infinita misericórdia divina para com o próximo; a
fé radica no coração e na mente a firme convicção de que precisamente este Amor
é a única realidade vitoriosa sobre o mal e a morte. A fé convida-nos a olhar o
futuro com a virtude da esperança, na expectativa confiante de que a vitória do
amor de Cristo chegue à sua plenitude. Por sua vez, a caridade faz-nos entrar
no amor de Deus manifestado em Cristo, faz-nos aderir de modo pessoal e
existencial à doação total e sem reservas de Jesus ao Pai e aos irmãos.
Infundindo em nós a caridade, o Espírito Santo torna-nos participantes da
dedicação própria de Jesus: filial em relação a Deus e fraterna em relação a
cada ser humano (cf. Rm 5, 5).
A relação entre estas duas virtudes é
análoga à que existe entre dois sacramentos fundamentais da Igreja: o Baptismo
e a Eucaristia. O Baptismo (sacramentum fidei) precede a
Eucaristia (sacramentum caritatis), mas está
orientado para ela, que constitui a plenitude do caminho cristão. De maneira
análoga, a fé precede a caridade, mas só se revela genuína se for coroada por
ela. Tudo inicia do acolhimento humilde da fé («saber-se amado por Deus»), mas
deve chegar à verdade da caridade («saber amar a Deus e ao próximo»), que
permanece para sempre, como coroamento de todas as virtudes (cf. 1 Cor 13, 13).
Caríssimos irmãos e irmãs, neste tempo de Quaresma, em que nos preparamos
para celebrar o evento da Cruz e da Ressurreição, no qual o Amor de Deus
redimiu o mundo e iluminou a história, desejo a todos vós que vivais este tempo
precioso reavivando a fé em Jesus Cristo, para entrar no seu próprio circuito
de amor ao Pai e a cada irmão e irmã que encontramos na nossa vida. Por isto
elevo a minha oração a Deus, enquanto invoco sobre cada um e sobre cada
comunidade a Bênção do Senhor!
Vaticano, 15 de
Outubro de 2012
BENEDICTUS PP. XVI
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